Edição nº 1892 - 23 de abril de 2025

Elsa Ligeiro
O ELOGIO DO LEITOR

A todos os leitores que um dia acolheram em sua casa um livro proibido

Vamos abandonando a ideia de que um livro é um texto impresso em papel, para integrá-lo dentro de um universo mais amplo e mutável.
Vivemos na transição entre o analógico e o digital e, como uma vez defendeu em Alcains Hélia Correia, no almoço de entrega do Prémio Ciranda a Jaime Rocha: “o que importa é o texto, não o seu suporte”.
Na altura, eu e Jaime Rocha defendemos o livro em suporte de papel de forma apaixonada e romântica, criando aí uma cumplicidade que dura até hoje.
Mas já há algum tempo que dou a razão a Hélia Correia e a George Steiner que escreveu: “como todas as invenções humanas o livro corre o risco de desaparecer tal como o conhecemos”.
Na minha opinião, essa perda não será relevante se conseguirmos salvar o autor, e, acima de tudo, o leitor (pois é o leitor que se transforma também em autor e não o contrário, mas isso será tema para uma outra crónica).
O leitor é o elemento mais importante da aventura humana que é a literatura. Nasceu depois das lendas e das histórias contadas, e faz uso de um exercício de liberdade sem precedentes na história da nossa civilização.
O leitor não é um consumidor; mas sim um co-produtor da história, do relato, da transcendência poética que o autor fixa em texto.
Há que escrevê-lo com frontalidade: o autor tem pouco poder sem o trabalho ativo do Leitor através da Leitura.
Não é demais lembrar que o autor nasce da palavra autoridade sobre o texto; mas é a ação dos Leitores, que se multiplicam através da edição e da Leitura, que anima e valoriza o autor; criando em parceria uma grande revolução artística.
É profundamente errada a frase “já ninguém lê”.
Os leitores de hoje são infinitamente mais numerosos do que no século passado.
As campanhas de alfabetização foram e são a grande ferramenta educativa da nossa mudança social.
Que hoje se lamente que tal ferramenta, repito, profundamente humana, não seja utilizada com mais apuro e consciência social é uma responsabilidade dos movimentos políticos e sociais; e em nada belisca a força da natureza de um Leitor.
E nesta afirmação já entra a liberdade do leitor escolher, silenciar ou julgar.
São os leitores, mais que os autores, o motor da revolução literária, e, em épocas que já podemos analisar com dados, tiveram um papel absolutamente decisivo na resistência ao totalitarismo.
Quando na Alemanha, durante o regime nazi, se queimavam livros em público, não o faziam para acabar com os autores, mas sim com os leitores.
O espetáculo público e inquisitorial da queima de livros e da destruição de bibliotecas serviam para intimidar os cidadãos leitores. Para os avisar que só deviam ler a cartilha do Führer.
Em Portugal, grande parte da resistência ao salazarismo é feita através da Leitura. Com os autores, mas sobretudo com o suporte económico dos leitores.
Há na história do século vinte português, nomes míticos que através da escrita ou da edição de livros enfrentaram a sua proibição e os distribuíram clandestinamente. Homens e mulheres a quem devemos muito do nosso património cultural.
Porque os autores fixavam a realidade de um país que era o nosso, mas que oficiosamente não existia, porque o Ditador criava, dentro das suas quatro paredes, um país à sua imagem: em papel burocrático de 25 linhas azul. Um país que só aos seus olhos era grandioso, como “feliz e bom era o povo português”.
Os leitores que nessas décadas, em que o poder dividia os livros entre os que se podem ler e os que devem ser destruídos, correram o grande risco de acolher os “proibidos” em sua casa.
Leitores que os compravam clandestinamente, que os emprestavam e os partilhavam com voz a um número monstruoso de analfabetos, a grande maioria mulheres.
Esses leitores também são heróis da Revolução do 25 de Abril.
Só com a existência desses leitores ativos se explicam as grandes manifestações de júbilo do primeiro de maio de 1974. Foram os leitores que criaram a rede.
São os leitores que criam atualmente as redes.
Que se escreva ou se leia num suporte de papel ou num qualquer artefacto digital não é o mais importante, perante a inabalável consistência do texto lido e honestamente comentado.
Felizmente, ainda contamos com muitos livros que servem de armas de combate contra o fundamentalismo e o fascismo, que procuram, de forma arrogante e com fogueiras de demagogia, afastar os leitores dos textos que se opõem à sua estratégia de poder absoluto e policial.
Pelo que, de novo, compete aos leitores a defesa dos livros imprescindíveis; conscientes da importância do papel da Leitura na salvaguarda da liberdade e da dignidade humana; defendendo com firmeza o seu papel social e cultural: no nosso país e no mundo.

23/04/2025
 

Outros Artigos

Em Agenda

 
07/11 a 11/01
MemóriasGaleria Municipal de Proença-a-Nova
05/12 a 10/01
13/12
Entre Histórias e SonhosBiblioteca Municipal Padre Antunes, Sertã
tituloNoticia
14/12
Os Madeiros de Natal da Beira BaixaAssociação Desportiva, Cultural e Recreativa, Caféde
tituloNoticia
04/12 a 14/12
Bazar da MaralhaCasa do Forno, Castelo Branco
10/12 a 05/01
Concurso e PresépiosBiblioteca Municipal José Cardoso Pires, Vila de Rei
tituloNoticia
10/12 a 17/12
Loja de Natal SolidáriaRua Conselheiro Albuquerque, Castelo Branco
tituloNoticia
10/12 a 17/12
Venda de NatalPraça de Castelo Branco
tituloNoticia
14/12 a 21/12

Gala Troféus Gazeta Atletismo 2024

Castelo Branco nos Açores

Video