Elsa Ligeiro
TRISTEZA NÃO TEM FIM
Há meia dúzia de anos, Ricardo Araújo Pereira iniciava o novo ano académico com poesia, numa palestra na Universidade de Coimbra.
Citou Herberto Helder para mais tarde se fixar nos versos cantados de Vinicius de Moraes “Tristeza não tem fim/ felicidade sim”, num elogio à Felicidade e à alegria de viver; trocando as voltas a quem tirava da prosaica expressão de que tristeza não tem um fim em vista, ao contrário da felicidade que, na opinião de Ricardo Araújo Pereira, tem.
Uma teoria que o conhecido humorista não explicou bem, a julgar pelo rosto de quem o escutava, num auditório a rebentar pelas costuras, onde era notório a deceção de quem se tinha levantado cedo para umas boas gargalhadas e lhe davam versos.
Recordo que pensei com o meu relógio, lá foi ele à poesia (poço sem fundo) para salvar a situação de convidado especial a discursar na abertura de um novo ano académico.
Pensei também na poesia como bengala a que muitos recorrem para fazer boa figura sempre que lhes oferecem um palco; sejam humoristas ou políticos na celebração do Dia de Portugal ou da Liberdade.
Especialmente os políticos, aflitos em encontrar palavras decentes, pedem ao assessor de serviço uns versos com algum efeito e que agradem a todos. E os zelosos servidores lá procuram no google um verso de Sophia ou do Pessoa transformado em Ricardo Reis ou Caeiro, que salvam e dignificam qualquer circunstância e servem a conveniência do momento.
Nunca falha, uns versos transformam-se facilmente na salvação de um eloquente discurso, como o do Dr. Libório de Meireles, que, como se recorda o leitor, era um deputado do Porto, que na pena talentosa de Camilo Castelo Branco evoluiu dos alexandrinos para o Parlamento, graças à fortuna do pai, e ao humor corrosivo do autor do século XIX, que nos o deixou no romance “A Queda dum Anjo”.
Vem tudo a propósito de um rapaz que é filho de poeta e, claro, como natural herdeiro do pai, se diz também poeta; e deseja à viva força ser júri de um concurso literário.
Um concurso todo ele à século XIX; ainda com a pomposa convocatória de um “poemário”; e cuja bitola é medida pelo número de gente que escreve versos e os envia à procura de euros. (Como se a casa da poesia fosse algo parecido a uma mercearia onde se trocam poemários por um punhado de euros).
Os organizadores acotovelam-se pelo direito a discursos, sejam eles deputados municipais ou presidentes, com as suas vaidades à flor da pele que, como também o escreveu Camilo Castelo Branco, num opúsculo divertidíssimo a criticar os jovens poetas do século XIX, já começam a ser tristes e irritantes.
Temo que estas tristes figuras apresentem como sua defesa o nunca terem lido o Eça de Queirós; e desconheçam a formidável personagem que é Tomás de Alencar.
Aliás, os poetas são facilmente transformados em figuras de opereta ou em cómicos na animação de salões nobres. Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós e Machado de Assis, para só convocar três autores de língua portuguesa, oferecem-nos retratos de poetas postiços com um humor literário de excelência nas suas obras; o que devia ser um aviso para estes aduladores de bardos nossos contemporâneos; alguns vizinhos do terceiro esquerdo; outros funcionários na 2.ª Repartição das Finanças; que editam um inevitável (e subsidiado) livrinho de poesia.
E já se sabe: quem não Lê e gosta de lançar ao vento no seu discurso pomposo alguma citação poética; arrisca-se a perder a credibilidade.
E penso no material precioso que o Ricardo Araújo Pereira aproveitaria se vivesse no concelho de Castelo Branco; com a Biblioteca Municipal entregue a aduladores de um poeta e a estudiosos que mais que ler gostam de se ouvir em discursos e palestras.
Aduladores do prosaico que em vez de celebrarem a poesia de António Ramos Rosa e de Alexandre O´Neill, fonte inspiradora da essência do humano; e excelentes representantes da arte poética de um século de ouro da poesia portuguesa (como foi o século XX português); preferem os jogos florais e os versos dos amigos.
Como se os 50 anos de Revolução (também artística) em Portugal não passasse de um livro de história que preferem ignorar ou se recusam a Ler.