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Edição nº 1816 - 1 de novembro de 2023

Valter Lemos
A CRIATURA E O CRIADOR

Morreu o ator Matthew Perry que se tornou conhecido através da famosa série de televisão “Friends”. O ator tinha somente 54 anos e a causa da morte ainda não foi confirmada publicamente. No ano passado Perry havia publicado um livro sobre a sua vida, focando especialmente a sua dependência de álcool e drogas durante muitos anos, que atingiu níveis muito graves, pois o próprio confessou que não se lembrava de dois ou três anos de gravações da série, devido ao facto de ter estado continuadamente drogado e alcoolizado.
Conhecemos muitos exemplos anteriores de artistas famosos com vidas e mortes envolvidas na profunda dependência, quer, como Perry, através das suas próprias revelações, quer através das revelações de pessoas que lhes eram mais próximas, quer a partir de investigações sobre as causa de morte ou a sua vida anterior.
Nada disto é, pois, novo ou surpreendente. Mas ao ler alguns artigos e comentários sobre a morte do ator, não pude deixar de notar que muitos abordavam a questão exaltando e glorificando a personagem, o que me causou alguma perplexidade e reflexão.
Afinal o que haverá a exaltar em Perry? Foi, sem dúvida, um bom ator. Apesar de nunca ter ganho os prémios mais simbólicos da indústria, recebeu alguns e é muito reconhecido pela sua personagem “Chandler” da série “Friends”. Mas, ao seu nível temos centenas ou milhares de atores por esse mundo fora! Creio que muitos confundiram o Matthew Perry com o “Chandler” que ele representava na série e com o qual conviveram muito tempo. Mas o Chandler não tinha a história do Matthew. A convivência com o Chandler não foi com um alcoólico ou drogado como teria sido a convivência com Perry.
O que leva, afinal, muitos a exaltar ou glorificar tais personalidades? No cinema, televisão, música e outras artes performativas em geral é comum, tal acontecer, como também na literatura. Tomar a criatura pelo criador é uma abordagem comum, mas também acontece noutras atividades sociais como a política ou a própria comunicação social.
Afinal, Perry como tantos outros era uma personalidade com características que nós não queremos que os nossos filhos e netos tenham. Se perguntarmos a muitos dos que exaltaram Matthew Perry ou Janis Joplin ou Kurt Cobain ou Amy Winehouse ou Philip Seymour Hofman se quereriam que os seus filhos ou netos tivessem os mesmos comportamentos dos citados, obteríamos certamente uma resposta negativa. Escolhi estes, de ente tantos possíveis, porque sou um grande apreciador do seu trabalho. O que fizeram foi e é muito relevante, mas o que “eram” não obtém de mim qualquer exaltação.
Num tempo em que a informação circula sem qualquer constrangimento, o que aumenta a liberdade de expressão e de escolha, mas aumenta também exponencialmente a possibilidade de erro, a confusão entre o “criador” e a “criatura” o que pode conduzir a graves problemas e dissabores pessoais e sociais. As redes sociais são, já sabemos, o caixote do lixo da informação e da opinião. Nelas tanto vale a opinião de um prémio Nobel da Medicina sobre uma vacina ou um tratamento como a de um trolha alcoolizado, e, por isso, não podemos esperar que sejam elas a ajudar a esclarecer a confusão e a selecionar a informação. Mas os jornais, as televisões e outros órgãos de comunicação social não devem e não podem furtar-se a essa questão.
Quando um órgão de comunicação social (ou um professor ou um pai) confunde a exaltação do criador com a exaltação da sua obra, está a cometer um gravíssimo erro. É frequente ter obras que podem servir de exemplo a todos, criadas por indivíduos com quem não desejaríamos conviver ou que servissem de exemplo aos nossos filhos ou sequer andassem perto deles.
“Chandler” era uma personagem com quem gostaríamos de conviver, mas Perry, como tantos antes dele, ao longo de parte significativa da sua vida não serviria de exemplo e nem sequer era recomendável, apesar de ter reconhecido publicamente as suas dependências.
Pode estar fora de moda, mas continuo a acreditar que é a exaltação das virtudes e não dos defeitos que pode melhorar a sociedade e os seres humanos, mesmo quando estes não estão de acordo!

01/11/2023
 

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