Antonieta Garcia
A GOSTO OU SEM ELE...
Com o sol a pique, as folhas das árvores entesam e caem como se fosse Outono. Perdem a cabeça, arrastam-se cansadas; algumas rompem com companheiras encarquilhadas, ou desprendem-se em ramos loucos ressequidos... Abrasadas atrasam-se na Terra Mãe. Estão esgotadas e aceitam viagens desvenerando o destino que as espera...
O vento quente, seco, atrevido, enrola ideias e folhas amarelecidas urdindo sons que se abandonam à música sem aconchego que valha.
E as gentes voltam à cabana da infância. Com as mãos constroem saudações e vozes por detrás das fantasias musicais. À aula deste agosto não faltou sequer a cigarra incansável em busca de vidas com novas linguagens...
- Olha, as cigarras não se calam! Anunciam calor!
A Mãe Terra oferece este pastoreio da liberdade, para as folhas não secarem e morrerem de solidão de verdade velha.
Em agosto, ouve-se o bater de asas dos pássaros a galantear o dia em canto de desgarrada vestido de aurora. Irreverentes tecem com um bocadinho de calor, o cantochão matinal.
A meio do dia, as palavras soltas voam. Mas é à noitinha que, na eira, ao luar da lua cheia, se espreitam pedaços de vidas que ecoam a dor da saudade no chão colorido.
Partem todas as manhãs? Que jogos tocam, que árias ouvem para não morrerem de verdade?
A gosto ou sem ele, o calor cala a fala atordoada; atormentado; o riacho faz pela vida afagando pedrinhas e memórias desejosas de contar as contas de um rosário de ternuras.
“Os pombos quando namoram / Põem as asas no chão, / para que as pombas / não vejam / O bater do coração.”
Os melros regem a orquestra, as rolas arrolam procurando o ciminho das tílias onde criam ninhos de amor, falados a boca pequena, mas que todos estão fartinhos de saber...
Em agosto, com gosto, no hospício de endeusados os parzinhos entendem-se no ar, nos beirais dos telhados, nos ramos de árvores... Não sei de jogos mais complexos ditos em linguagem de voos; não sei de cantos, mais vivos com todos os direitos proclamados durante horas, numa vozearia que sabe bem entender!...
- Ó que vida regalada / Hei de eu levar este verão, / Pelos atalhos das vinhas / Com meu amor pela mão.
Em setembro é outro encanto. Os perdidamente apaixonados ameigam-se aqui e ali, a cabecita a fervilhar de amanhã!
Memórias aconchegadas em diários irreverentes, no meio de folhas, afagam os sons da alma inventados e fantasiados em mãos postas...
Em agosto, com gosto ou sem ele... Ámen.