Antonieta Garcia
OS POSSIDÓNIOS ANDAM POR AÍ!
Embirra-se com um nome que vale o que vale! A sonoridade que o cerca e o silabar a que obriga, ora se elevam felizes, ora irritam a mais calma das criaturas. Pergunta-se: Quem ousa chamar Possidónio a um sujeito qualquer sem intenções perversas e cúmplices? Quem gosta de transportar ao colo fonemas curvilíneos, enviesados, repetidos, durante uma vida inteira?
Habitualmente, os visados e amigos não apreciam a denominação aplicada e lá vêm, em fila, os apelidos, os diminutivos, os pseudónimos, as alcunhas... a substituir. A tacanhez sem vergonha, simplória, desata, então, a adotar e a trocar nomes...às vezes, são termos feios, inaceitáveis, desusados. Também se propõem mudanças de identificação que se assemelham a designações de cão ou gato, ou assim.... Ou seja, numa contenção severa, drástica, num linguajar rebuscado, vazio e, na maior parte das vezes, despropositado, quem ouve não canta: vai silenciando e rindo....
Sinónimos arranjam-se sem problema, gostos não se discutem.... mas, convenhamos, Possidónio é nome sombrio, inautêntico, obtuso..., feito de um gozo mórbido a colar-se-lhe, provinciano, nas cordas vocais e no sorriso...
Possidónio existiu? Nada de bom se adivinhava com tal batismo! Todavia, foi filósofo grego (135-50 a. C.), político, astrónomo, geógrafo, historiador... e consagrado ao deus dos mares. Estudou em Atenas, fez longas viagens, ao Egito, à Península Ibérica... Fixou-se em Rodes e foi considerado o espírito mais universal que houve, na Grécia, desde a época de Aristóteles.
Vocábulo longo (10 fonemas), Possidónio treinou, altivo, voltas e reviravoltas, e manteve-se na lista de linhagens célebres. O nome foi adotado por muitas padrinhos. Esqueceu o arrevesado dos sons do nome batismal, ouviu-os em sino, tocou outra música com o tilintar das moedas de quem tem, descobriu-se e saudou o renascimento clássico. Ressurgiu.
Ah! Possidónio, Possidónio! Resististe, como?
Conta-se que em finais do século dezanove, os jornais de Lisboa falavam de um deputado, Possidónio de sua graça, que era símbolo dos que preconizavam a felicidade e a salvação do país. Nesse sentido, mantinha vivíssimo o vade retro corrupção... Os seus escritos ganharam fama. A palavra impôs-se, foi substantivo comum, ou próprio, adjetivo... O noticiarista revelava bom gosto na escolha dos vocábulos, no apego ao convencional...
Durante anos e anos a boa fama ecoou. Afamou-o, até ao dia em que, personagem assombrada, tresmalhou, ocultou-se, encarcerou-se... até deixar de incomodar poderosos.
A reputação andava cansada, de rastos, quando outro jornalista inovador afagou, como era costumeiro em cumprimentos sociais, as costelas de um velho caturra e lhe alargou a geografia mental. Possidónio levantou, de novo, o nome de deputado que preconizava medidas que permitissem assegurar o acesso a uma habitação adequada aos rendimentos e dimensão dos diferentes agregados familiares; que combatesse a especulação e criasse um país mais justo, mais fraterno e coeso.
A pouco e pouco, a renovação sobre “Possidónios” entrou airosa no discurso; já se ouviam palavras novas e decisões para todos os gostos, apesar da tendência de a música enferrujar conversas com os dois “i”, os três” o”, as duas sibilantes “s”, as oclusivas p” e “d” sozinhos... Ou são estes fonemas, com esta sonoridade que dão graça ao nome?
São muitos os Possidónios que andam por aí? Andam! Por todo o lado! Fingem linguagens novas? Querem salvar a pátria? Continuam a privilegiar os homens de boa vontade, ou elegem lutar à facada, à cacetada, à bordoada, modalidades enfermas?
A sabedoria pode libertar Possidónios e outros apaniguados de pesadas e velhas ignorâncias. Como libertar uma Nação desprovida de fraternidade, se os cérebros estão vazios?