José Dias Pires
2 - UM QUARTO PARA VIVER ENTRE A LUZ E AS SOMBRAS
Garanto, que com os livros por mim escolhidos, a Bibliotoca, que vai ficar no Grande Hotel da Leitura onde o frio aconchega os que lá vão hibernar, vai brilhar a grande altura e fazer abrir a boca, de surpresa e espanto, a todos os seus leitores.
Os livros são mágicos, divertidos, uns pequenos, outros maiores, cada um com o seu encanto.
Estão curiosos? Pois é, desta vez, que é a primeira, a leitura é só para os convidados que aceitaram ser hibernados sem o calor da lareira.
Vá, se também os quiserem conhecer, comecem já treinar, e em vez de andarem sempre com o “fogo no rabinho” vejam se, de vez em quando, “arrefecem um bocadinho” e começam a gostar de ler.
Quando mais não seja à hora de dormir.
O RELÓGIO DE DORMIR — Fui a um relojoeiro, que trabalhou para os reis, pedir-lhe que inventasse um relógio que contasse apenas de um a seis, bem ritmado e sorrateiro, e que pudesse servir de Relógio de Dormir para ajudar a arrefecer quem passa a vida a ferver. Eu tenho a certeza que me estão a entender.
E como a coisa promete, encomendei-lhe sete!
Será que ele me arranjaria sete relógios com seis tempos e sem quaisquer contratempos, para um sono hibernado no aconchego gelado de um quarto climatizado?
Pois foi, arranjou!
Sete Relógios de Dormir! E falam! Querem ouvir? Ouçam bem, pois já a seguir vou ter de os distribuir. 1 — Vais avançar? Acelerar? Tens de travar, tens de parar. Não podes aquecer, se queres aqui ficar. 2 — Andar? Podes andar. Mas bem devagar para não estragar o prazer que te vai dar não aquecer ao hibernar. 3 — Olha, os teus olhos estão-se a fechar, a fechar… a fechar… tão devagar… E a tua boca? Estás a ver? Já começa a bocejar… 4 — Pé… ante… pé… até… que… até… 5 — já estás a pairar… como uma nuvem no ar… 6 — Dorme bem… até ao ano que vem.
Os primeiros convidados a chegar foram os morcegos e os ursos. O Morcego Paulino e a Morcego Paulina traziam duas almofadas de uma seda muito fina.
Perguntei e disse: «Trazem apoios para a cabeça? Pode ser que lhes apeteça ter sonhos almofadados, para hibernar descansados.»
«As almofadas? Não vês, são para apoiar os pés para não ficarem inchados como na última hibernação. Nós dormimos pendurados com a cabeça a pingar e virada para o chão.»
A Ursa Romana e o Urso Romão, com aquele seu andar gingão, traziam, debaixo do braço, dois gigantescos calhaus.
«Deve ser para atirar aos sonhos, se forem maus?» perguntei. E mais uma vez me enganei.
«Para atirar? Não, que piada. São para dormir. São dois calhaus almofada.»
Ficaram no Quarto da Gruta.
Depois de bem instalados, uns pendurados e os outros enroscados, o Relógio de Dormir começou a funcionar:
Vais avançar? Acelerar? Tens de travar, tens de parar. Ainda não tinha chegado a já
estás a pairar… e os quatro já estavam a ressonar.
Deixei quatro livros no Quarto da Gruta: A TREPADEIRA DA NOITE E A LUA NOVA; O GALHO DE VER O SOL FUGIR ANTES QUE SEJA AMANHÃ; ABRAÇO — UM LUGAR QUE FICA ENTRE PLANALTO DA MÃO ABERTA E A MONTANHA DO PUNHO FECHADO; É SEMPRE SEGURO DORMIR NO SOSSEGO ESCURO.