Antonieta Garcia
LIVROS ESPALHADOS NO PARAPEITO DA JANELA
Veem-se os livros espalhados pelo parapeito da janela, sentados em cadeiras solitárias... No meio do chão, páginas e páginas esperam a sua vez de ocuparem a mesa e comporem o que pensam, o que lhes apetece.
No conjunto, há folhas direitinhas desencarquilhadas; outras resistem amarelentas, rasgadas, das quais se foge, pela difícil grafia, como o diabo da cruz. Certo é que quem registou não adivinhava que, passados séculos, os textos aguçavam a curiosidade e haveria leitores que passariam tempos infinitos em busca de sabe-se lá que informações...
A vermelhidão secava os olhos que sofriam banhos de luz, ou de areia, desenhando em caligrafia imperfeita, soluçada num coça-coça que desatinava. Abandona-se o redigido. Retoma-se. Que confidências ocultavam aqueles textos velhinhos?
No princípio, vence a teimosia e desequilibram-se as letras que se amalgamam com as vozes, as frases. Tentam-se novas formas de comunicação, embora seja cada vez mais difícil marcar encontro com mensagens adequadas; jogam-se palavras, avança-se, volta-se atrás... O diabo feito louco mete as mãos pelos pés a seduzir excertos de textos direitinhos, mas provocadores de um sorriso de satisfação de boca a orelha!
O problema com estes trechos nasce de feitios oblíquos! A falta de réguas é óbvia; a tinta passou, há muito, o prazo de validade, e o leitor reza: “Deus nos livre das coisas obliquas, unidas de qualquer jeito, sejam elas quais forem, venham elas de onde vierem...
O pedido é ouvido? Tem dias!
Na verdade, um texto de rumo oblíquo não dá garantias a ninguém. Desvia-se ora para a direita, ora para a esquerda, viaja em altitude e desce abruptamente, quase sempre em susto/escorrega de perdição! As palavras em linhas oblíquas ficam tontas e tortas. Embriagadas, deslocam-se em torcidos e tremidos e é uma dor de alma ver perdidos os entendimentos que se desentendem em vocábulos de velhices velhas, em repetidas comunicações de fala-barato. Nem vale a pena, a lamentação porque, quando tudo parece estar em caminho que leva a bom porto, alvoroçam-se letras e abreviaturas, esquecem a resposta certa, tergiversam e criam extratos vários, dissimulados, a puxar sempre mais para um lado do que para outro.
Não há pedagogia para obrigar a clarificar situações oblíquas! Que venha antes o ziguezaguear, as linhas redondinhas ou as setas em direção reta. Ninguém adivinha o arrepio daquele texto cujo fecho não fecha nem que venha o cura. Os fechos engancham uns nos outros, empenam...
- Ó Inês arrume lá essas folhas e aperte-me isto, por favor!
A Inês fez o que pode! Conseguiu. O senhor sorriu! Sentou-se, desviou-se das folhas, passou os olhos pelos livros e revistas que repousavam nas estantes da sala. Os escritos desarrumados não se entendiam!
Olha, um livro de poemas! - (Saiu-lhe Fernando Pessoa e o amor). Dizia o texto: “A abanar o fogareiro / Ela corou de calor / Ah, quem a fará corar / De um outro modo melhor!”
Saltou-lhe outra quadra: “Do tempo que já passou / Do tempo que já lá vai / Minha mãe já não se lembra / Quando namorou meu Pai”.
Um rir travesso, matreiro sublinhava estas lembranças! Fossem outros os dias e os olhos...
Monólogos? Valem as memórias! Cada um guarda as suas. Ralhou-se: “... não sei conter as lágrimas! Tenho os olhos cheios de água, caramba!”
Limpou as tristezas para que ninguém percebesse. Olhos gastos avermelham e magoam...
Casaco fechado, de peito cheio a repetir os versos de Pessoa, desejou: “Nunca mais vem o Verão, o solinho, para ir até além, ao Jardim!”