José Dias Pires
O TEMPO, ESSA INCERTA CERTEZA
Quem nos dera poder ser como os caracóis e as formigas: ter, aparentemente, todo o tempo do mundo. Pena que não sejamos pacientes como eles e organizados como elas. Quem nos dera poder saber como imitar as borboletas: possuir, no nosso tempo, o instante entre a crisálida e a luz. Mas não, somos incapazes de produzir fios de seda e vivemos emaranhados a tentar conseguir imaginar o futuro que nos interessa e a querer olhar para lá do tempo.
Somos parte da humanidade cada vez mais sem luz e sem tempo à espera que uma fina melodia saia porta fora e a temer que dentro de casa a canção possa ser sempre a mesma.
Preparamo-nos, como todos os anos, para virar mais uma página na agenda da nossa vida onde disfarçamos os ruídos a imaginar que tudo é, no silêncio, tempo e paciência.
Tempo e paciência: ambos partem para voltar ao habitual júbilo artificial da terra: a música triste da amante canora que, com o seu amor nos braços, parece que canta o tempo do desmaio de cada quase-maré cheia, quando, afinal, apenas chora a melopeia da maré vazia.
Aproxima-se o final de mais um tempo em que nos (com)prometemos a promover a mudança.
Mudar: tão difícil quanto a aprendizagem necessária para ficar a saber como ouvir, como ler com outros olhos, que não exclusivamente os nossos, e como guiar-nos até ao essencial da vida: a vida ela mesma - a génese de todos os textos.
Obrigámo-nos a dominar a rua, a indicar, ao resto de nós, a direção a tomar, os lugares aonde ir, as coisas a tocar, os sentires a sentir, os momentos a reter, e não o fizemos. Fingimos aprender novas leituras, a destrinçar os passos das formigas e o bater das asas das borboletas; a perceber o sentido do vento e a intensidade do sol; a reconhecer a mão amiga e a evitar a mão fingida; a compreender o perfume das manhãs, os aromas cálidos das tardes e as essências tranquilas das noites; a saborear, com a ponta da língua apenas a espreitar da boca, o tempero das palavras dos que connosco falam, para as degustar ou rejeitar.
Demo-nos tempo, a fingir. Mal empregada dádiva.
Não ganhámos a impaciência tranquila de quem sabe a razão e o lugar onde tropeça, e descobre que, afinal, há duas fontes a jorrar dentro de nós. Uma, oferece a água do esquecimento que causa uma morte transitória, um sono sem sonhos, um vazio que parecer ser retemperador, mas não o é. A outra, oferece a água da memória que nos ajuda a olhar por dentro e a ver o interior de todas as coisas, a conhecer e compreender a ignorância e a sabedoria.
Que pena não querermos, não podermos e não conseguirmos procurar as duas fontes e beber das suas águas para adolescer.
Passámos mais um ano a alimentarmo-nos de tudo menos dos saberes que nos rodeiam e a não saber as leituras que faríamos se apurássemos os sentidos para aprender a compreender a linguagem das aves, a profecia dos ventos, as texturas de todas as rugosidades e os contornos de tudo e todos que nos permitam sabê-los pelo toque.
Devíamos saber que nunca chegaremos à palavra final e à impávida verdade, para nos contentarmos em tentar ser a memória dos outros na memória de nós e sentir o sorriso nas árvores através das folhas que se agitam a agradecer a força das suas raízes.
Como os caracóis e as formigas, desfrutemos da rua, já que não conseguimos voar.
Já chega de promessas.