Cesaltina Gilo
COISAS QUE VÃO LEMBRANDO…
Há uns anos, Saudade encontrou o Tó Velez na praia da Nazaré. Tinha-o conhecido em Abrantes como aluno.
Veio-lhe à lembrança o passado. Quando os colegas de Saudade souberam da distribuição de horários, disseram-lhe: «Estás tramada, pois nesse horário está o Tó Velez, que é grande perturbador, não havendo quem o pare».
Começaram as aulas e Saudade convidou-o a ir para as carteiras da primeira fila. Ela, como professora, fazia com frequência um esquema no quadro, explicava o conteúdo e chamava os alunos para colaborarem e fazer leituras alusivas no livro adoptado. O Tó Velez ia frequentemente ao quadro.
Se fosse necessário enviar qualquer documento para Santarém, onde eram realizados os exames, o Tó Velez não os entregava na Secretaria do Colégio sem que a professora os lesse. Era a sua provedora.
A atenção de Saudade, a maneira como o chamava para participar, talvez isso, levaram a que o Tó Velez não tivesse sido aquele perturbador de aula como lhe tinham vaticinado. Uma certa cumplicidade e afecto despertaram entre professora e aluno.
Esse encontro na praia da Nazaré foi de alegria. Há sempre uma saudade de tempos idos que estreita laços no presente. O reencontro fez estremecer esses laços, fez constatar que esses laços tinham ficado no coração. Conversa puxa conversa, o Tó Velez tinha seguido estudos e era agora licenciado em advocacia. Sem mais comentários. Parabéns, Tó Velez!
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Saudade foi sempre professora por vocação. Entregar-se à docência fê-lo com aquele fervor de que quem corre por gosto não cansa. Tinha o gosto de preparar meticulosamente as aulas, tinha o prazer de conferir o desenvolvimento do saber dos alunos, tinha a emoção do afecto recíproco que os fazia amigos, a professora e os alunos. Saudade foi abrir uma gaveta de recordações, que eram papelinhos de mensagens que lhe entregavam alguns. Em tardes de Inverno, relia. Em tardes de Verão, relia. Em noites de estar sozinha, relia, sorrindo por vezes e voltando a um outro tempo de trabalho atarefado, gargalhadas de rapazes e raparigas, cheio de imagens e sons passados, esquecendo aquele momento de estar sozinha.
Lembra a Mónica e sabe quase de cor o pequeno poema que lhe deixara, assinado pelo nome e o cumprimento terno: «Um abraço amigo e sempre disponível». E relia: «Nunca saberei ao certo / quantas mágoas esconde / em cada sorriso, / mas sei que preciso muito / de vê-la sorrir!». E Saudade entrega-se àquela ternura que a consola e pensa como uma adolescente pode ser tão observadora. Há um recado da Mónica, da Sarah, da Carina, da Andreia, da Inês, da Ana Margarida e da Maria João: «Estivemos cá à tarde para convidá-la a ir connosco beber um café. Como não estava em casa, fica para uma próxima. Beijinhos e abraços fofos das suas alunas do 12ºJ». E Saudade sente as saudades na lembrança preservada no papelinho que a emociona. E a Júlia que agradece do coração a amizade? Saudade relê o poema oferecido, porque nesse momento de estar sozinha precisa desse carinho: «Amiga, / Amanhã / vou pôr para ti / aquele sorriso / de que tanto gostas / /vestir a minha alma / como a mais linda Primavera /e o meu olhar / há-de resplandecer / felicidade. // Nas mãos / levarei um mundo / de ternura / para te dar. «Minha querida Júlia, tornaste a dar-me ternura de novo. Bastou reler-te» - diz Saudade em voz ciciada.
Fecha a gaveta dos papelinhos ciosamente guardados. Não vai ler mais. Senta- -se no maple, encosta a cabeça, cerra os olhos. Com sonhos lindos das coisas lembradas adormece.