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13 de novembro de 2019

José Dias Pires
A ORAÇÃO DO BEM-HAJA, O ELOGIO DA DÚVIDA E O ELOGIO DO ROUBO

(a propósito do Roiz 1º Encontro de Música e Poesia Luso-Hispano-Americano e da Cerimónia da entrega do I Prémio Internacional de Poesia António Salvado - Cidade de Castelo Branco)

Um amigo deu-me a ler algumas palavras mentirosas, invejosas e ignorantes sobre o Prémio Internacional de Poesia António Salvado — Cidade de Castelo Branco, a cujo júri pertenci, o que me muito me honrou e orgulhou.
Por vezes, dei comigo a matutar nas tais palavras de quem se diz “gostar de livros e de escritores”, e desprezei-as.
Depois, apeteceu-me ironizar, com um agradecimento e dois elogios de um texto de escrita quase velha que recriei. Ei-lo:
A ORAÇÃO DO BEM HAJA : Bem-haja a razão que me ofereceu o bom senso; Bem-haja a igualdade que dá a todos os homens a capacidade de bem julgar; Bem-haja a oferta de berço que nos permite existir e distinguir o verdadeiro do falso; Bem-haja os respeitos, os gostos e os juízos que não se discutem; Bem-haja os trabalhos que nos agradam e os prazeres que nos aborrecem; Bem-haja o deleite do amor para fruir sem demonstração; Bem-haja a liberdade de expressão, e o seu respeito, como quesito principal; Bem-haja a vida por ser não eterna, o que seria muito aborrecido.
O ELOGIO DA DÚVIDA: Duvido: como elogiar a dúvida? Quem elogiar, na dúvida? O leitor? O editor? Um ente querido do autor, e acrescentar afetos? Um livro que nos marcou, e aduzir cultura?
Ler: significa estabelecer um compromisso, ou um vínculo com o autor?
Escrever: será possível para quem não aprendeu a ler para além da leitura?
Aprender a ler: satisfazer a curiosidade, afinar a atenção, ou propiciar a diversão das memórias?
Livro: David Copperfield, de Charles Dickens, onde o narrador transpira a honestidade dos «ses» condicionais, incertos, frágeis, que fazem com que tudo nos pareça verdade?
Ler como quem escreve: ser solidário, comprometido, vinculado, dedicado, atento, enfim, ser o adjetivo mais que perfeito do autor?
Porque escrevo? Para não me entregar a quem despreza ou arregimenta as nossas vidas? Para contrariar quem quer que andemos a passo certo e sincopado? Para ter o poder de criar felicidade, e o seu contrário?
Para quem escrevo? Para os que me veem, ou os que me ouvem? Para quem levanta os olhos das minhas palavras e se apercebe que o sol rompe as nuvens que se dispersam? Para quem acredita que os meus mundos velhos são a sua novidade?
Quando escrevo? Gostava de saber que é quando a minha alma ganha asas e começa a voar… mas tenho tantas dúvidas. Para o arco-íris? Bem ergo os olhos para saber se é, mas não me sai o discurso.
E hoje é já amanhã.
É isso, pouco direi: Bem-haja, hoje é já amanhã. Prometo escrever cada vez menos e ler cada vez mais.
O ELOGIO DO ROUBO: Passamos a vida a roubar as portas: as minhas, as nossas, as vossas. Mas apenas se forem feitas de madeira, de matéria morta. Haverá, pois, coisa mais viva que uma porta, inventada para abrir, quando se fecha, ou para fechar, quando se abre? Haverá coisa melhor para roubar que a minha, a nossa, a vossa porta?
Será que isso importa, à porta? Mas importa ao ladrão que a rouba, à porta.
A minha boca, os nossos olhos, os vossos livros? Tudo isto nos transporta, e se transforma, e se transtorna até passar o patamar da porta que o ladrão, viva o ladrão, roubou. Roubou a sombra do menino que atravessou a porta; Roubou o tempo do amante que esperou à porta; Roubou o sonho da mãe que pariu na porta; Roubou a vida que, afinal, tanto importa a quem pouco se importa se a porta, depois de roubada, se importa, ou não.
O ladrão? O ladrão sou eu. Roubo as memórias. As minhas, as nossas, as vossas que me batem à porta, ou que alguém me traz num livro ao qual eu abro a sua porta, para lhe poder roubar todas as palavras.
Viva o ladrão! Porque escrever, e ler, é roubar para nós tudo o que importa, apesar das palavras mentirosas, invejosas e ignorantes das pessoas pequeninas que dizem “gostar de livros e de escritores”.
(Texto adaptado de ANACLEPTO - AS CONFISSÕES DE UM LADRÃO DE IDEIAS)

13/11/2019
 

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