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21 de agosto de 2019

Lopes Marcelo
TER EIRA E BEIRA

Ter ou não ter eira e beira, é o tema de sabedoria popular que hoje proponho à reflexão que dos leitores. De facto, há algumas décadas atrás quando nas nossas terras havia pessoas que não tinha casa para viver nem conseguia prover o seu próprio sustento, sobrevivendo da caridade dos vizinhos, pedindo de terra em terra ou, amparadas por alguma instituição de solidariedade, dizia-se que não tinham eira nem beira.
Pelo contrário, ter eira para os elementos de uma família, significava ter propriedades de onde retiravam o seu sustento e, no caso de serem lavradores com searas, representava mesmo dispor de uma eira, local plano onde se malhava o cereal através de máquina debulhadora ou a malha (debulha) e limpeza manual do grão, à força de braços batendo energicamente com os manguais no cereal estendido no lajedo da eira de pedra, onde, também se realizavam as descamisadas do milho e a seca e debulha do feijão. Na vertente de prover sustento para a família rural, existia, também a ambição de plantar uma vinha e de ter adega própria, o que representava um nível social acima da média.
Ter beira, significava ter casa própria, ter um lar e uma família. Diz o povo: quem casa, quer casa. Tantas vezes, já com o casamento marcado, acertado o projecto para a nova casa a construir num terreno cedido pelos pais da noiva ou do noivo, organizava-se colectivamente o designado carreto da pedra. E, levantadas as paredes, a cimalha convexa que liga as paredes ao telhado, a chamada sanca construída em pedra, podia não existir ou ser simples e singela nas famílias apenas remediadas ou, mais alta, saliente e trabalhada nas famílias mais ricas. Ali ficava, à beira do beiral, a manifestação exterior da riqueza da família marcada no granito.
Ter eira e beira, significa ter identidade cultural e sentimento de pertença, quer a uma família de laços de sangue, quer a uma comunidade mais vasta pelos laços do afecto e comunhão de valores, tradições e história comum. Significa ter uma terra, ser de uma terra, sentir e vibrar na geografia íntima dos afectos que, tendo marcado indelevelmente a infância e a juventude, moldou o sentimento e as atitudes de pertença que permanecem enraizadas e consolidadas para toda a vida, independentemente das vicissitudes, dificuldades e problemas que se têm de enfrentar.
É fruto deste contexto cultural e entorno social assimilado por quem nasceu nas nossas aldeias, independentemente do local onde a procura de melhor vida os levou a viver, quer nas nossas cidades, quer no estrangeiro, que é fortemente sentido o apelo das raízes pela generalidade dos nossos conterrâneos. E voltam à sua terra, à sua casa ou de sua família, pelo menos nos períodos de férias. E cá os temos regressados em mais um extraordinário mês de Agosto. São protagonistas de uma identidade algo dividida: têm a eira fisicamente separada da beira. Contudo, continuam íntegros e a corresponder ao apelo das raízes. São cada vez mais cidadãos do mundo. Quanto mais conhecem e vivem, mais o saudável sentimento da saudade os move a voltar à sua terra. Quanto mais povos conhecem mais estimam e valorizam as características do nosso povo. Quanto mais terras conhecem, mais valorizam a sua terra, pequena pátria dos seus mais íntimos e genuínos afectos. E ainda bem, pois feliz de quem sente e valoriza ter a sua terra, ser e pertencer à sua comunidade de origem, independentemente da distância a que encontra. Poder voltar à terra, ao convívio dos seus, aos saudosos locais míticos da infância, ao enlevo dos laços de quem ainda podem estreitar em seus braços, mas também à revisitação da mágica e simbólica evocação de quem, tendo já partido, continua a ser parte essencial do seu íntimo património pessoal. É no convívio da partilha do sentimento de pertença que poderemos todos, quem teve de sair para outras paragens e quem por cá vive, sentir e a afirmar: vale a pena continuamos a ter eira e beira e valorizarmos as nossas terras, afectuosas comunidades de origem.

21/08/2019
 

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