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21 de agosto de 2019

Maria de Lurdes Gouveia Barata
CAMINHOS DE DESUMANIZAÇÃO

Agosto chegou instável, caprichoso, com algum vento inesperado a agitar o mar das férias… Mas o Agosto tradicional está aí vivo com o regresso dos emigrantes, a alegria de matar saudades, o retorno despreocupado dos dias de descanso enquadrando-se nos dias de descanso dos que vivem neste país de sol. Todavia, também momentos crispados podem acontecer como o caso daquela altercação a que assisti há pouco, de um furioso condutor que implicava com uma condutora parada indevidamente, «pois claro, é uma mulher!», atrasando-o talvez uns trinta segundos na sua marcha apressada. Franzi a testa e logo me veio ao pensamento o que me tinha acontecido três verões atrás: à procura de lugar de estacionamento, parei para aguardar a vaga de um carro e vejo um automóvel vindo do lado contrário, cheio de passageiros, vejo uma janela abrir-se e vejo uns olhos injectados de ira clamarem «o que estás aí a fazer, minha vaca?» com a soberba de um dono de território que toma conta dele, quando vem de férias doutro país onde trabalha duramente e mais humildemente. Fiquei tão estupefacta pelo inesperado que passei um tempo para reagir (e eu costumo ser de reacção imediata) e apenas dizer, quase titubeante «é um mal educado, um incivilizado!». Tudo isto me leva a pensar nesta espécie de ira que muitos seres humanos parecem ter interiorizado, desencadeada por um eu com que não se pode bulir, indiferente aos outros, egocêntrico como uma criança de três ou quatro anos.
Se as conversas são como as cerejas, acho que o mesmo se aplica aos pensamentos. E comecei a reflectir sobre uma certa desumanização na vida social. Veio-me à ideia um outro caso que me chocou há uns anos (continuo no trânsito…) de dois condutores cruzando-se numa ultrapassagem, sendo quebrado um espelho retrovisor lateral de um dos automóveis. Não lembro qual o culpado. Saem do carro, discute-se e o mais irado (julgo que o do espelho partido) resolve o problema: puxa de um revolver e mata o outro. Tudo passado em frente de um jovem de treze anos, já não lembro se o filho da vítima, se o filho do assassino. Mas duma coisa podemos estar certos: a falta de respeito pela vida humana enquadra-se num processo de desumanização, que tem um significado abrangente, desde a indiferença perante o outro, a insensibilidade, o desrespeito, a falta de compreensão, a humilhação, a tortura, o machismo, a misoginia, o genocídio, a apatia perante a degradação do planeta. Temos registos, alguns bem arrepiantes como o holocausto, a denominação de «peste grisalha» para um grupo social, como se houvesse o direito de um ser humano desconsiderar outro ser humano, transformando-o em objecto desprovido de essência humana, coisificando-o. Anos de demora na justiça institui a maior injustiça e a indiferença perante o outro. Desumanizar-se segue caminhos de aniquilamento moral. O ser humano, devendo sempre pôr-se no lugar do outro, seu irmão vital, recusa frequentemente essa forma de estar, perde a solidariedade, porque impera um eu de Narciso, que só se olha a si próprio – afirma-se um individualismo puro desembaraçado de valores sociais e morais, como diria Gilles Lipovetsky em A Era do Vazio. «Diálogo e amor pressupõem o reconhecimento do outro como outro, a aceitação da diversidade. Só assim se pode fundar o valor da comunidade: não pretendendo que o outro se subordine aos meus critérios e prioridades, não «absorvendo» o outro, mas sim reconhecendo como valioso o que o outro é, e celebrando essa diversidade que nos enriquece a todos. O contrário é simples narcisismo, imperialismo, pura estupidez» - são palavras do Papa Francisco.
Os pensamentos em brincos de cereja trazem-me à lembrança uma imagem que recebi por correio electrónico intitulada A visita à Avó : um maple com um casal, mexendo no telemóvel; dois cadeirões com cada um dos netos, mexendo no telemóvel; a velha senhora, a avó, olhando-os apenas – eis o quadro de cinco personagens entregues à solidão.
Depende do homem uma vida de relação com os outros homens. O homem é que faz as mudanças, é quem tem o poder de afastar egoísmos, é quem destrói e quem constrói, assume responsabilidades perante os outros e está na luta com toda a humanidade

21/08/2019
 

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