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3 de julho de 2019

Guilherme D'Oliveira Martins
AGUSTINA BESSA-LUÍS

Recordamos a memória de Agustina Bessa-Luís através de «As Terras do Risco» (Guimarães Editores, 1994) e de «O Convento» de Manoel de Oliveira (1995), duas obras se completam e se antagonizam o que levou o cineasta a dizer: “Agustina fez o seu livro e eu fiz o meu filme”. «O romance decorre na Arrábida, onde há muitos séculos o homem conhece a confrontação com a sua própria obscuridade, dando-lhe às vezes o nome de Deus, outras de rei ou de poderes telúricos, terramotos e tempestades». A trama do filme desenrola-se no misterioso convento, isolado na serra da Arrábida. Michel Padovic, investigador americano (John Malkovich) está apaixonado pela busca de uma pista histórica inédita e procura indícios de que William Shakespeare era um Judeu espanhol, descendente de gente expulsa da Península Ibérica pelos Reis Católicos e por D. Manuel, que teriam partido para Florença e daí para Inglaterra. Acompanhado pela mulher, Helène (Catherine Deneuve), trabalha na Arrábida, vindo a envolver-se com os restantes inquilinos do convento. Mas com que nos deparamos? Com a releitura do mito universal de “Fausto” – começado em Shakespeare, mas baseado em Goethe. A história é, no fundo, a de alguém que vende a alma ao demónio em troca do conhecimento. E Manoel de Oliveira trabalha o mito, demonstrando que Fausto existe em qualquer tempo. Assim, pode encarnar em Michel, que chega ao Convento, onde espera encontrar elementos que comprovem as suas teorias. Mas é por Hélène que se interessa o guardião do local, a figura algo sinistra de Baltar (Luís Miguel Cintra), que vive com Piedade (Leonor Silveira). Temos então vários tempos sobrepostos: o presente, a Idade Média (origem do convento) e a Antiguidade clássica, já que Hélène se transfigura em Helena de Troia.
João Bénard da Costa ficou muito ligado a este filme. Conhecia a serra como a palma das suas mãos. Manoel de Oliveira pediu-lhe por isso ajuda para fazer um levantamento dos lugares e das histórias da Arrábida, acabando a convidá-lo para participar no filme. “Numa das cenas, eu devia contar (disse João) à Catherine Deneuve a história do Convento Velho, que eu contei tantas vezes a tanta gente ao longo da minha vida. Lembro-me perfeitamente de ter pensado, naquele momento, que sentia estar a viver um sonho”. E esse momento mágico ligava-se, no fundo, ao mistério de todo o filme e do próprio livro. De facto, todo o carácter misterioso que rodeia “O Convento” estava bem patente nos vários planos apresentados. Havia uma história ficcional e duas presenças que se misturavam, a de Shakespeare e a de Goethe, a do teatro e a da literatura, ligando-as um mito que tanto entusiasmava Manoel de Oliveira e Agustina. Aqui entra o drama real. Agustina, por sugestão do seu amigo começa a escrever “Pedra de Toque”, sobre um dos lugares mais misteriosos e mágicos de Portugal. A escritora pensa em Depardieu e Deneuve, segundo a ideia do próprio Oliveira. No entanto, Agustina demorou-se na escrita, pelo menos mais do que o realizador necessitaria. Então este falou a Agustina para que ela resumisse o enredo. Assim foi, e Oliveira tirou-se de seus cuidados e elaborou um guião próprio, dando início ao processo de concretização do filme. E apresentou o filme como “inspirado na ideia original de Agustina Bessa-Luís”. Resultado? Agustina não gostou. Recusou-se a ver o filme e qualificou o episódio como “desencontro total” e “colaboração falhada”. “O Manoel de Oliveira teve sempre toda a liberdade, liberdade de que ele abusou”…
A zanga foi séria, mas o certo é que o tempo aplainaria esse acidentado episódio. Agustina seguira uma via algo diferente da de Oliveira. Teria preferido seguir a obsessão do investigador tão concentrado no seu estudo, correndo o risco de se confundir com ele. Pelo contrário o cineasta optara por enfatizar a história dos ciúmes entre duas mulheres. E, como bem sabemos, Agustina sempre repetiu que “o Manoel de Oliveira filma filmes de amor, e o amor não entra nos meus romances”. A verdade é que não podia ser durável a zanga, por várias razões – de facto o que houve com “Pedra de Toque”, que depois se tornou “Terras do Risco”, por maior fidelidade à Arrábida, que passou à tela como “O Convento”, foi um mero equívoco, gerado pela pressa de Oliveira e pela falta de um real acerto de ideias quanto ao projeto. No entanto, entre Agustina e Manoel há muito que havia preocupações e ideias comuns ou próximas. Quando vemos o filme, percebemos que poderia ter sido ela a principal responsável pelas ideias, com mais ou menos peso dos ciúmes e dos desencontros. Talvez tenha existido no cineasta um excesso de confiança no exercício de seguir o que a autora teria feito. Mas o certo é que podemos ler “Terras do Risco” e analisar em paralelo o filme. A complementaridade lá está, numa distância muito menor do que a que encontramos em tantas transposições de romances para a tela… Passada a tempestade, no ano seguinte Oliveira voltou a lançar a Agustina o desafio para escrever sobre mulheres e homens, num cenário em que dois casais, um mais novo e outro mais velho, se encontram nos Açores. E assim o filme “Party” (1996) vai marcar uma rápida reconciliação – sendo curiosa a forma como Agustina vai aos Açores para conhecer pessoalmente Michel Piccoli e Irene Papas, que contracenam com Rogério Samora e Leonor Silveira. Surpreendida, a escritora depara-se com a filmagem de uma garden party em plena tempestade – com chuva, neblina e vento forte… E o certo é que Agustina concluiria que a nova colaboração cinematográfica foi interessante. Manoel de Oliveira fez a distinção entre os diálogos de Agustina Bessa-Luís e o argumento do próprio cineasta. E a vida seguiu em frente, entre os dois amigos – fundamentais na história da cultura portuguesa hoje.

03/07/2019
 

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