Antonieta Garcia
SANTO ANTÓNIO
Em junho, mês dos santos populares, até as ruas estão em festa. Flores, bandeirinhas, lanternas e balões em papel colorido, misturam-se com cantigas que todos trauteiam, com os manjericos olorosos à janela, mais as sardinhas assadas, o caldo verde, febras, chouriças, pão, vinho tinto e sangria… Modernaça, a cerveja intrometeu-se, há uns anos, na folia…
As fogueiras de rosmaninho nos largos mais espaçosos iluminam e desafiam moços e moças a saltar sobre o lumaréu, a dançar e entoar modas alusivas à celebração.
Santo António abre as festas; disputado por Lisboa e Pádua, os alfacinhas fizeram-no português de gema. Eleito por devotos e devotas é mais santo do que a santidade permite. A vontade de viver, devolvendo a jovens esperanças de casamento, milagres de curas, orações para tempos de aflição, elegeu-o como santo maior da corte celestial.
Santo António é representado com o Menino Jesus ao colo. E bem. Diz a lenda que, em terras de Mação, a pedido da Mãe, o Santo fora buscar lenha ao outro lado do Tejo; no regresso, viu que barco e barqueiro tinham desaparecido. Preocupado por saber que a mãe o esperava ansiosa, Santo António pediu ajuda ao Menino, chegou… Como foi, Augusto Gil?
O luar, um luar claríssimo nasceu.
Num raio dessa linda claridade,
O Menino Jesus baixou do céu…
Sossegou o santo que regressou a casa, ternurento… e com Jesus ao colo.
Não há impossíveis para Santo António milagreiro e os crentes fizeram-no casamenteiro; conta-se, que uma jovem muito formosa, se cansara de esperar por um noivo e pediu ajuda a Santo António. Lembrou-se de levar para sua casa, uma imagem do Santo; benzeu-a e todos os dias a enfeitava com flores…. Só que o noivo… não aparecia. Um dia, lamentava a jovem o que se afigurava como ingratidão do santo. E tanto esperou que desatinou. No auge do desespero, lançou à rua, pela janela, a imagem do Santo.
Ora, naquele preciso momento, passava por ali um cavaleiro… e a imagem acertou-lhe em cheio na cabeça. Educado, apanhou-a e subiu a escada para a devolver. Recebeu-o a menina formosa; o cavaleiro apaixonou-se. Veio mais vezes. O coração falava Eugénio de Andrade: “Tenho um cravo no meu balcão… / Sentada bordava um lenço de mãos… / Veio um rapaz e pediu-mo…/ Dei-lhe o cravo, dei-lhe o lenço/ Só não dei o coração / Mas se o rapaz mo pedir / Mãe: dou-lho ou não? //. Deu. Depois… começou o enamoramento mais ou menos como Augusto Gil imaginou no Passeio de Santo António: “De braço dado, para a fonte, vinha / Um par de noivos todo satisfeito; / Ela trazia ao ombro a cantarinha, / Ele trazia…o coração no peito. // Sem suspeitarem que alguém os visse, / Trocaram beijos ao luar tranquilo. / O Menino, porém, ouviu e disse: / Oh, frei António, o que foi aquilo?... // O santo erguendo a manga de burel / Para tapar o noivo e a namorada, / Mentiu numa voz doce como o mel: / _Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…”
Claro que é por estas e por outras, que o santo entendido de amores “aconselhou” que, a 13 de junho, em Lisboa e onde quisessem, se realizassem casamentos. O pedido foi ouvido e criada uma cerimónia: “Noivas de Santo António”. É festa caprichada com direito a RTP e tudo!
Certo é que, desde sempre, a noite de 12 para 13 de junho, mágica, se encheu de ritos propiciatórios sobre o noivado. Assim, para adivinhar a identidade do marido, a moça enche a boca com água e espera; o primeiro nome que ouvir será a graça do noivo.
Também pode escrever, em papéis bem dobrados, o nome de uma série de cachopos candidatos a partilhar a vida com ela; um ficará em branco. Mete-os todos num recipiente com água, e na manhã seguinte o papel mais desdobrado indica o nome do futuro marido. Se nesta espécie de rifa sair o papel branco, pode ter nascido para tia ou ter de aguardar mais uns anitos…
E falta o da meia noite! Num quarto às escuras, diante de um espelho, sozinha, a jovem pronuncia sete vezes, o nome do santo; depois, acende uma vela e, olhando bem para o espelho, verá a imagem do futuro noivo. Espelho dele… que outro mais lindo que ele?
E que saudades do trono de Santo António (em Pinhel, na Figueira da Foz, chamavam-lhe cascatas), erguido à porta de casa! As crianças pediam: “Dê um tostãozinho para o Santo António”.
Nem faltam histórias finórias, ao santo. Diz-se que quando António Salazar governava, alguém escrevia numa parede:
“Dos dois Antónios / De que Lisboa desfruta, / Um é filho da Santa Sé, / O outro… “
- Acompanhe-me à esquadra! - ameaça um polícia, adivinhando a rima que se perfilava para finalizar a quadra.
- Por que razão? – pergunta o “poeta”. Deixe-me acabar!
Concluiu o transgressor rimando a preceito: O outro… o outro não é.