Carlos Semedo
O ALENTO NO POMAR
Olhar para trás é olhar em frente. Olhamos para trás, para não nos perdermos no presente. É cada vez mais difícil pensar o futuro, pois estamos muito ocupados a viver não o tempo presente mas uma infinidade de situações mobilizadoras da nossa atenção fugaz. Torna-se assim uma tarefa inglória, não há sequer uma espessura no tempo que nos ajude na construção de uma narrativa. O tempo parece ter enlouquecido, ter saído dos carris, aumentando a sensação de caos, só superada enganadoramente pelo alimentar contínuo de estímulos e apelos fragmentados.
É também por isto que acabo de escrever que a apresentação de Alento, no Pomar, foi um momento importante. O que se passou na semana passada, na pacata aldeia de Pomar, foi um espaço de resistência relativamente a esta matriz de aceleração e, permitam-me acrescentar, superficialidade. Uma equipa de cinco pessoas liderada pelo bailarino e coreografo Pedro Ramos deu continuidade a um caminho em várias etapas na preparação da estreia do espectáculo Alento. Em Castelo Branco, tratou-se do terceiro momento de trabalho que culminou com a estreia de uma proposta que concilia pensamento, território, dança, música e todos os elementos que convergem na visão artística da equipa que se encontrou no vale do Pomar, junto à ribeira que, ali, assume o nome da povoação.
Num primeiro tempo, a descoberta do sítio, a apropriação primordial, aquela que é feita sobretudo intuição. A de que aquele espaço pode ser o do Alento. Neste, a confluência do passado e presente do projecto, impulsionando para a frente, para o futuro. Mais tarde, um momento construído na intimidade com o espaço, busca, encontro, desencontro, pergunta, resposta e descoberta permanente. É nesse tempo que a população local se apercebe que algo se passa junto à “sua” ribeira e que, afinal, aquele curso de água não é só alimento para as hortas e espaço de lazer ou descanso.
Finalmente, nesta última semana, a apropriação final com a colaboração de técnicos, assistentes artísticos e equipas de produção, que completam o trabalho de processo, hora a hora, dia a dia, até ao momento no qual se junta o espectador, a comunidade local e os que vieram de fora, de Castelo Branco, de Lisboa e outros sítios.
Em todo este caminho, o tempo assume um papel de primeira grandeza. Nada do que se passou no sábado passado, seria possível sem a mediação do impulso, refluxo, sedimentação e o estar naquele sítio num tempo espesso, não o das horas e minutos, mas o de estar plenamente, de corpo inteiro, mente e sentidos à escuta.
Olhar para trás é olhar em frente e esse é um desígnio que nos reconcilia com o tempo, o presente.