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20 de março de 2019

Maria de Lurdes Gouveia Barata
GRANDES AUSÊNCIAS

Falar de ausência pode ser interpretado de modos diferentes, mas penso que há uma linha mais forte que se impõe: a do desaparecimento, a do afastamento, havendo um cruzar de vidas que experimentam uma falta, uma perda, podendo desencadear cúmplices sentimentos de tristeza, saudade, desespero. Ausência implica separações, uma partida, perturbadoras de certa paz instalada. Ausência acaba por envolver um lugar e um tempo marcados na vida que vivemos habitualmente, podendo, porém, sofrer mudança. O afastamento e a distância trazem a ausência e a privação e, por sua vez, a privação faz despertar o desejo de um regresso, de um reencontro, da procura de um equilíbrio inicial que se alimenta de memória e saudade. O desejo realiza-se parcialmente num canto, num poema, numa celebração. Emergem assim os objectos do desejo. A Cantiga Partindo-se de João Roiz de Castelo Branco torna-se expressiva do momento da separação e embora os olhos, os tristes tão tristes tão fora de esperar bem, exprimam o desespero de ausência próxima, estão na vida donde pode surgir a esperança de reencontro. Todavia, há sempre na existência dos homens a grande separação pela morte e a ausência que se sabe eterna, que é a Grande Ausência, sendo que apenas se recupera uma presença que é desejo nos recônditos do coração. Parece-nos sempre que é de repente, não mais que de repente, como diz o belo «Soneto da Separação» de Vinicius de Morais.
Entreguei-me a estes pensamentos porque nos surge às vezes um sentimento acutilante de perda e, no que me toca pessoalmente, experimento-o perante ausências recentes. Vieram com um inverno cheio de sol, talvez para iluminar as pessoas que partiram para a viagem sem regresso.
Em 5 de Dezembro (quase inverno), partiu JOAQUIM LEONARDO MARTINS, com quem privei como colega de profissão, como amigo de outras lides, com uma amizade progressivamente construída em convívio e partilha. Justamente, muito destaque se deu à sua partida, porque esta cidade em que se movimentava contou com a sua participação contínua e interventiva e gratidão lhe é devida.
Em 13 de Fevereiro, despediu-se de nós o DR. DOMINGOS RIJO, que para sempre recordarei com a saudade com que se evocam os grandes amigos. Tive o privilégio da sua proximidade na Escola Superior de Educação, integrando ele a famosa Comissão Instaladora (com o Dr. Figueiredo Martinho e o Dr. Valter Lemos), era eu professora e era uma família (professores, funcionários e chefes) em camaradagem franca e produtiva. Comentava-se por vezes, rindo: lá estão os três! Estou a ver o Dr. Rijo com aquele ar de bonomia, que escondia uma força firme e um sentido determinado de dever. Aprouve-me de modo especial o artigo de Valter Lemos, saído no dia 6 de Março com o título:«Um homems sábio, sereno, discreto e despretensioso» - era assim mesmo.
Em 25 de Fevereiro, uma grande amiga partia também: «Fez-se do amigo próximo o distante / Fez-se da vida uma aventura errante / De repente, não mais que de repente.» «Soneto da Separação», Vinicius de Morais). Aqui registo o seu nome: MARIA JOSÉ PRETO RIBEIRO. Não era uma figura pública na acepção habitual, mas era uma figura pública no sentido do convívio alargado que tinha, sempre com a afabilidade característica de quem dedica amor ao próximo, de quem espalha uma grande alegria à sua volta numa partilha da sua própria alegria de viver, porque amar apaixonadamente a vida era com ela, porque espalhava amizade, sabendo ser solidária, amiga do seu amigo, a que se aliavam dons de artista, fosse no criar beleza com as palavras, fosse na habilidade das suas mãos em criar várias coisas, despertando admiração e encantamento. Num dos seus poemas, «Eu vou pintar a vida», carreia esse culto da vida, de que faço um breve extracto: «(…) / pus um sol muito castiço, / todo pintado de ouro. / Com seus raios espalhados, / São os sorrisos rasgados / da vida, que é um tesouro.». Deste amor advém a sua visão poética e sonhadora do mundo, o espírito positivo que fazia frente a obstáculos e se traduzia numa teimosa luta e numa esperança persistente. Do poema que referi transcrevo de novo: «Muitos verdes cambiantes / aparecem petulantes, / espalhados pela tela. / São os sinais da esperança, / de que a vida não se cansa, / para se tornar mais bela.». Era uma Mulher na melhor acepção da palavra. Para sempre guardarei o seu sorriso que iluminava o brilho mágico do olhar. Guardarei com a saudade.
No nosso caminhar há alguns que o cruzam e o iluminam num encontro feliz e de enriquecimento. Outros vivem no coração, porque se ausentaram e seriam também merecedores de um registo. Mas ficam as ausências mais recentes. Grandes ausências perfiladas para sempre no horizonte das nossas vidas.

20/03/2019
 

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