António Lourenço Marques
LEMBRAR O PRINCÍPIO DE 30 ANOS DE VIDA
Quando em 1988, numa conversa que tive com o Doutor António Salvado, então diretor do Museu Francisco Tavares Proença Júnior, e este excecional homem da cultura e príncipe dos poetas avançou com a ideia da realização das Jornadas, não podia imaginar que tal intento viesse a durar todo este tempo, pois celebramos agora o 30º encontro anual. O que se pretendeu então foi organizar uma reunião, de investigadores e estudiosos de diferentes ramos do saber, na qual apresentassem trabalhos inéditos, particularmente focados nas manifestações ligadas à medicina na Beira Interior, não no sentido restrito e técnico, mas no sentido amplo das ciências humanas, e numa perspetiva temporal também vasta, isto é, da pré-história aos tempos atuais. E queria-se também que esse acontecimento prestasse homenagem a Amato Lusitano, uma glória de Castelo Branco, a sua cidade natal, pois figura como um dos raros na história da medicina universal, sendo um dos vultos médicos mais salientes do seu tempo, com um rasto ainda hoje patente.
Essas primeiras Jornadas, organizadas sob a égide do citado Museu e da Sociedade Portuguesa de Escritores Médicos, constituíram então um êxito assinalável. Durante três dias – de 31 de março a 2 de abril de 1989 – reuniu-se, em Castelo Branco, um conjunto de personalidades ligadas à cultura e ao saber, tendo apresentado exclusivamente trabalhos da sua lavra. Este acontecimento acabou por servir também de fermento para o desenvolvimento de um percurso fecundo, que então começou. São de lembrar os que deram esses primeiros passos: Albano Mendes de Matos, Alfredo Rasteiro, Armando Moreno (Maria Guinot esteve também presente), Amélia Ricon-Ferraz, Fanny Xavier da Cunha, Iria Gonçalves, Josias Gyll, Maria da Assunção Vilhena Fernandes, Maria Adelaide Salvado, Fernando Dias de Carvalho, Manuel da Silva Castelo Branco, José Geraldes Freire, Romero Bandeira Gandra, Luís Raposo, Olinda Sardinha, Clara Vaz Pinto, Ernesto Pinto Lobo, António Lourenço Marques e António Salvado. As obras pictóricas de Fernando Namora constituíram os objetos da exposição do programa, que então foi aberta por Zita Namora, completando um modelo de acontecimento que se viria a manter até ao presente.
Publicaram-se depois várias dessas comunicações, que vieram a preencheram os primeiros volumes dos Cadernos de Cultura. A edição destes Cadernos foi um passo essencial, fazendo com que não se perdesse o trabalho produzido, garantindo ainda o acesso futuro e generalizado ao mesmo. Tais publicações estão agora disponíveis no sítio da Universidade da Beira Interior. Hoje, com o 32º volume editado, contam-se 456 comunicações publicadas, das quais 155, ou seja, 34% sobre Amato Lusitano. Privilegiando a realidade da Beira Interior, os investigadores foram dedicando os seus interesses a áreas como a história da medicina, a biografia médica, a etnomedicina, a paleopatologia, a antropologia física, a literatura e medicina, arte e medicina, ética, etc…
Todos os anos, desde então, nesta altura de novembro, acontecem, assim, as Jornadas. Num percurso já longo, realça-se como a Câmara Municipal de Castelo Branco, com o seu apoio persistente, nunca deixou que este acontecimento cultural da sua cidade ficasse em risco. E todos os anos, os seus adeptos, incansáveis, não desistem. Dos que começaram, muitos ainda se mantêm. E tantos mais vieram depois. Como o tempo faz jus do seu efeito implacável, com as três dezenas de anos assim percorridos, alguns dos companheiros já partiram fisicamente. Mas a sua memória, pelas obras que também aqui produziram e deixaram aos outros, certamente que se mantém ainda mais viva.
Outra vez, vão estar a trabalhar, na sessão deste ano, mais de duas dezenas de investigadores e estudiosos, oriundos de diversas instituições e Academias, com comunicações que abrangem um leque considerável de interesses científicos, sem esquecerem o próprio Amato Lusitano. E sendo um acontecimento da Beira Interior, vai desta vez começar na cidade vizinha do Fundão, com a apresentação de um livro, sobre a medicina e os médicos daquele concelho, obra que foi produzida por um historiador de renome, Joaquim Candeias da Silva, ao longo de várias destas Jornadas. Há, portanto, novas formas de os trabalhos prosseguirem.
Curiosamente, todos os anos, quando o encontro termina, levantam-se vozes impacientes pelo futuro, e questionam:
- E, então, para o ano?!
E uma resposta tem corrido sempre:
- Para o ano?! Para o ano, claro que haverá mais!