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10 de outubro de 2018

Antonieta Garcia
MUDAR DE ARES

Está a acabar o período de verão habitualmente destinado à “mudança de ares”.
Nos dias que correm poucos usarão esta terminologia, mas até meados do século XX, “mudar de ares” era receita certa para curar mazelas de melancolia, falta de apetite, dores de cabeça… Sair da cidade para o campo era remédio santo. Jovens casadoiras, ou casadas com maridos que, por um ou mais motivos, deixavam muito a desejar, deslocavam-se até à aldeia, à quinta, e o remédio era santo. Chegavam pálidas, sorumbáticas, abatidas. Passados dias, reduziam-se suspiros exalados do fundo do coração, ganhavam cores saudáveis de Maria Papoila, a confirmar que o ar puro era o melhor remédio.
Que faziam fora da cidade? Passeios, piqueniques, jogos, muita conversa, um bailarico ad hoc… e os dias corriam em maratona perfeita. Virtudes do campo para os que chegavam. Quem vivia na aldeia, tinha lá tempo para tédios, ansiedades e enfermidades deste cariz!
Todos comentavam: “Fez-lhe bem a mudança de ares! Parece outra!”
Durou o que durou esta crença. Depois foi a moda, sobretudo entre os mais idosos, da “cura de águas”, com receita médica e tudo. Revelou-se igualmente milagrosa. Aliviava reumatismos, problemas gástricos, respiratórios… e males de fastio, enfados. Os aquistas mantêm-se porque há termas que pedem meças a medicamentos convencionais.
Mas a vitória, meu Deus, com um programa inteirinho a acenar com animação, foi a descoberta da praia! Venceu em todas as idades. A aliciar, com diversão para todos os gostos, os mais endinheirados, como sói acontecer, foram os primeiros fãs. Instalados num hotel, tinham direito a muita mordomia…Às vezes até dava direito a piscina de água salgada, para evitar ondas e misturas…
Para os jovens era um tempo mágico; ao fim de dois dias, os grupos estavam constituídos; não era ainda o Facebook, mas a versão correspondente traduzia-se assim: “É do meu grupo, de praia!”
Cresciam os namoricos de um mês, as mães faziam renda, exercitavam a crítica de comportamentos e fatiotas até à síntese óbvia ou mascarada: “Está o mundo perdido!”. Não estava. Usava-se o que a moral permitia, mais centímetro menos centímetro… A moda intrometia-se até onde a deixavam.
Todavia, rendiam-se: a praia era medicamento. Os filhos passavam melhor o inverno, menos constipações, mais apetite… a mudança de ares cumpria o prometido: “Fazia bem à saúde!”
Na Beira, nem era gente quem não fosse até à Figueira da Foz, ou à Nazaré, banhar-se nas salsas águas. Em instalações de todos os tipos, sempre caras, alojavam-se turistas, nos melhores espaços das casas, dispensados pelos proprietários, durante o tempo de Verão. Entre hóspedes e senhorios todos se entendiam. Do convívio nascia a amizade e, ano após ano, estava garantido o aluguer. A atração do mar foi-se generalizando por volta dos anos 60/70, do século XX. Nessa época qualquer comerciante ou funcionário público passaram a morar um mês na praia, pago com as poupanças-de-onze-meses tiradas a ferros. Mas a bem da saúde justificavam-se os sacrifícios. Ter boas notas, ao longo do ano, era meio caminho andado para ganhar um mês inteirinho a ver o mar. O prémio dos prémios exigia trabalho e resultados meritórios…
Ora, neste Paraíso, destoavam os banheiros; obrigar a mergulhar, a engolir pirolitos em série, fazia parte da cura. Servia também para “tirar o medo do mar”. Ainda não havia psicólogos para explicar os traumas que tal prática acarretaria para os cachopos. Pouco sei de traumatismos… mas que a olho nu era visível que o pessoal enrijava… não havia dúvida. Que muitos salamaleques se esbatiam nas frígidas águas e que os pirolitos diminuíam com a continuidade dos mergulhos, era dado comprovado… Os rapapés adequados a meninos acabavam cedo, naquela época.
A praia, a tal espécie de Paraíso, aos jovens garantia o dia todo ocupado com banhos e digestões, conversas, leituras, namoriscos e paixonetas empolgantes... Uma canseira comparada com a pasmaceira das cidades sem mar…
À noite, na Figueira, oferecia-se o Casino para dançar. Aí, pontificavam olhos argutos de acompanhantes que percebiam amores havidos e a haver e evitavam/censuravam um ou outro deslize mais evidente.
Depois de um ano de calma, de chá e canja de galinha, apetecia conjugar o verbo derivar até vir a mulher da fava rica…
O “mudar de ares” atual, já não é a mesma coisa. Mas continua a fazer bem. Então se incluir um saltinho ao estrangeiro… é o ouro sobre azul!

10/10/2018
 

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