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11 de julho de 2018

Antonieta Garcia
A BARBÁRIE À SOLTA

A indiferença é, sem dúvida, uma soberana todo-poderosa. Senhora maldita usa e abusa, nos dias que correm, do aplanar e alisar o pensamento e a linguagem. Por isso, se tuíta que é um dó de alma; em poucos carateres diz-se tudo, prontinho, acabado, sem lugar nem tempo para a reflexão / discussão. Tudo é recebido apaticamente, tudo é fátuo, normal... O “Quero lá saber!” assenta-lhe como uma luva.
Frases como: “que culpa tenho”, “isso não é comigo”, “não posso fazer nada”, entre outras, expressam a frieza, a insensatez, a desistência de aferir, questionar a responsabilidade de cada um. O que acontece aos outros, não me diz respeito? Na Cantata da Paz, Sophia de Mello Breyner, ensinava que “vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar”. Na verdade, somos responsáveis, pelo que fazemos e também pelo que omitimos. Arquivar, esquecer factos que contendem com os Direitos Humanos, ensina a História da Humanidade, pode gerar barbáries indizíveis. Einstein afirmava: “O mundo não será destruído por aqueles que fazem o mal, mas por aqueles que os olham e não fazem nada.” O sábio lembrava, porventura, Auschwitz, um dos genocídios para-digmáticos da luta do homem-lobo-do-homem, que só foi possível pela indiferença de povos em relação a outro povo, a gentes diferentes…
Amedronta tanto conluio com a injustiça, através dos tempos. A “recusa da culpa” favorece a amnésia. E afirmar que nada se sabia, ou atribuir faltas a outros, assim como minimizar o ocorrido, considera-lo banal, negá-lo… desmascaram uma insensibilidade que, habitualmente pactua com a crueldade, a impiedade. Demitir-se de agir perante uma prepotência, significa transigir com a indiferença, que nos afasta da solidariedade. Depois, tendemos a confiar sempre que um determinado flagelo foi a última vez que aconteceu. Acreditámos, em 2017, que a imagem de Aylan, aquele menino migrante que naufragou e apareceu morto, na praia, como se dormisse, não se repetiria. E, todavia, as crianças que naufragam no mar Mediterrâneo são atualmente um acontecimento corriqueiro; igual ao do sem-abrigo que dorme no vão de escada, debaixo da ponte. Passo, olho e adianto a desculpa: eu não sou responsável.
Tempos de trevas os nossos, condenados pela rejeição do tempo para pensar. Se as pessoas refletissem e atuassem com a consciência desperta, o totalitarismo não seria possível. Mas existiu e existe. A ausência de ética, de coerência de cada um consigo próprio, a eleição da passividade e da apatia, ou da hostilidade, revelam-se traços impiedosos. Os afetos fogem.
Lamentavelmente, nem sempre os erros do passado servem de ensinamento. Cúmplices de ideologias de regimes hitlerianos, fascistas ou estalinistas… pairam por aí. Manifestam-se quer na falsa composição do passado, como na tentativa tirânica de promover o apagamento, o esquecimento oferecendo uma explicação alisada e rápida dos factos. Assim nasceram os livros “vermelhos” e “verdes” com respostas formatadas em palavras de ordem que se vociferam, sem cuidar. Apoiam-se, na era digital, em novos e mais eficazes instrumentos da sociedade tecnológica. “ Tem cinco minutos para dizer o que pensa…”. Incorporam muita agres-sividade, os mídia; atenuam os limites entre o real e o virtual e a barbárie encontra terreno para explodir em calamidades tormentosas.
- Olhem aquela pequenina, a olhar Trump, que separaram dos pais e, horrorizada, chora pedindo com todo o corpo, o choro e o susto: “Ajudem-me!...”
Foram mais de mil, estes meninos tirados aos progenitores. E é tal o horror, a agonia de o sabermos, que alcançamos a maldição camoniana da existência: “O dia em que nasci morra e pereça (…) A luz lhe falte, o sol se lhe escureça”… Quem afronta os Trumps deste universo?
Quando finalizei esta crónica, os meninos já não estavam sós, em jaulas. Mas prenderam-nos, isolaram-nos, apavoraram-nos, por que crime? Já ninguém apaga os soluços desesperados, o pavor, chamando pelos pais, tios… agarrados às grades… Emocionaram. Organizações humanitárias agiram. Benditas! Urge a construção de uma renovada confiança na Humanidade. Não contamos com todos. Aprendemos com Hannah Arendt que: “a lição dessas histórias é simples e está ao alcance de todo o mundo. Politicamente falando, a lição é que em condições de terror, a maioria das pessoas se conformará, mas algumas pessoas não [...].”
O comum dos mortais, se a tempestade se mantiver longe dos “seus”, se os “seus” privilégios não forem postos em causa, conforma-se: “Se lhes aconteceu algo de mal, devem ser culpados, poem-se a jeito.” Mesmo as crianças? Agora, outro barco navega, e outro… Alguns naufragam. Outros sobrevivem. Quem os recebe? A quantas vidas se rouba o futuro? Quem pode por termo a este massacre? Pobres meninos pobres, desculpem…

11/07/2018
 

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