José Dias Pires
OS PANOS DE MANCHESTER: A PORTUGALIDADE EM MATIZ ALBICASTRENSE
Visitei a catedral de Manchester no dia 18 de setembro passado.
Sabia ao que ia, mas não sabia o que me esperava.
Ia para ver as frentes de altar desenhadas pela Cristina Rodrigues e bordadas a pontos do Bordado de Castelo Branco e esperava-me (num lugar de exuberante destaque) a descoberta da grandiosidade da nossa pequenez. Uma pequenez inteira que me recordava os versos de Ricardo Reis: Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.
Já não era a primeira vez que visitava a magnífica catedral cujo interior apresenta alguns dos melhores exemplos de carpintaria e cantaria medieval do norte da Inglaterra, nomeadamente os detalhes (intrincados e cheios de vida) esculpidos no coral e no teto, assim como um órgão de tubos que nos esmaga pela sua imponência.
Entrei a imaginar que veria os visitantes de pescoço levantado para os tetos e vitrais, para os reflexos de prata e ouro dos tubos do órgão, para a imponência do cadeiral que enquadra o altar principal.
Enganei-me.
Os turistas deliciavam-se fotografando, olhando minuciosamente e de perto (alguns arriscavam o toque) os panos albicastrenses. Desconheciam a sua proveniência, porque não há qualquer folheto explicativo disponível.
Tentei explicá-lo a um dos casais que por ali estavam.
«Made in Portugal? I know Lisboa, your capital.»
«Should visit Castelo Branco», disse eu para afirmar a importância do nosso contributo para o que admiravam.
E falei-lhes (de forma menos poética) do linho e das linhas; da sede que a cor das linhas de seda saciou; dos símbolos; dos corações e das mãos das formigas tecedeiras da cidade pequena do país pequeno (e ambos tão grandes); dos dedos que, com sensibilidade de aranhas, levavam os toques carinhosos das agulhas a fecundar o tecido; do amor, da memória — da memória de nós.
Contudo, a conversa ficou entre aqueles poucos de nós. Parou ali, sem um papel, uma memória escrita, uma ligação ao lugar de onde cresceu e partiu para ali chegar.
A catedral de Manchester tem, num ano, cerca de trinta e seis mil visitantes, tantos quanto os habitantes de Castelo Branco.
Quais (quantos) serão os que conseguirão estabelecer a ligação das frentes de altar a Castelo Branco e aos seus bordados?
Sem material explicativo, nenhuns.
Em Manchester a portugalidade tem uma matriz albi-castrense mas poucos o saberão.
Vale a pena o esforço da divulgação?
Vale, claro que vale.
A Cristina Rodrigues (merecidamente) já ganhou (destaque e prestígio) com os seus “panos albicastrenses”.
Mais ganhará quando andarem pelo mundo na exposição itinerante que a catedral vai promover dos seus bens artísticos.
E nós?
Andamos há décadas à procura da nossa marca distintiva.
Por vezes caímos na tentação (banalizadora) de a querer encontrar na gastronomia.
Qual gastronomia?
Estou cada vez mais convicto que a nossa marca está nesta ligação entre o linho e a seda bordada a pontos que os dedos das nossas bordadeiras transformam em arte intemporal e única.
A nossa marca distintiva é o Bordado de Castelo Branco (são os pontos do Bordado de Castelo Branco) — na tradição das nossas colchas, na modernidade das propostas da Cristina Rodrigues, da Alexandra Moura e principalmente nos desafios que se nos apresentam: Propostas (bordadas a Castelo Branco) de Mestre Cargaleiro, de Alexandre Frade Correia, de Cristina Ataíde e de outros (todos os nomes são possíveis) e levadas à cidade, ao país e ao mundo.
Temos um Museu da Seda, um Centro de Interpretação do Bordado — espaços de enorme valor que melhor se defendem e promovem se tiverem gente dentro a vivê-los, a sabê-los.
Poderão vir de muitos lados (talvez alguns dos que visitam a catedral de Manchester) mas só o farão se souberem que existem, onde existem e para que existem.
Daí a Amato Lusitano é um passo e a António Salvado um pequeno passeio — se os quisermos e soubermos divulgar.