LOPES MARCELO
O COOPERATIVISMO
Comemorou-se no início do corrente mês o dia internacional deste movimento social e cultural de significativa relevância cívica e económica, pelo que se me afigura oportuna a partilha da reflexão com os leitores. Desde logo , em termos históricos, os primeiros passos dados no século XIX só foram possíveis com a profunda alteração de paradigma do conceito e aplicação do poder político realizado no século XVIII. De facto, foi com a Declaração da Independência Americana (1766), rompendo com a autoridade real Inglesa, que os direitos do homem de livre expressão e participação foram afirmados e pouco depois consagrados na Constituição (1787). Contudo, foi com a Revolução Francesa (1789) que se rompeu definitivamente com a soberania natural de se entender que o poder tinha origem divina e devia ser exercido de forma absoluta pelos representantes de Deus na terra: o Papa articulando com as casas reais que dominavam toda a Europa. Tendo por bandeira, Igualdade-Fraternidade- Solidariedade, a França do Renascimento e das Luzes consagrou a soberania do povo através do voto, implantando a democracia representativa estruturada na divisão tripartida do poder: legislativo, executivo e judicial, instituindo a fiscalização dos poderes entre si e a livre participação dos cidadãos numa extensa Constituição da República que influenciou todas as Constituições posteriores e toda a organização socio-económica, designadamente as empresas e sociedades com a estruturação dos seus órgãos estatutários: Assembleia geral, Direcção e Conselho Fiscal.
Não foi fácil nem rápida tão profunda mudança, a França teve ainda a fase imperial dos Napoleões e grande parte dos países entraram na fase das monarquias constitucionais, algumas que se foram democratizando e sobreviveram até aos nossos dias.
Entretanto, coincidindo com a segunda metade do século XVIII, a Revolução industrial proletarizou a força de trabalho. Os tempos de trabalho foram-se decompondo, desligando-se das artes e ofícios, separando-se das ferramentas e dos saberes dos mestres, não necessitando de qualificações para as tarefas de rotina das grades fábricas. Verificou-se a fuga das pessoas dos campos para as cidades das fábricas, diminuindo a produção de alimentos, surgindo mais períodos de fome e formando-se um “exército de reserva de mão de obra” num ambiente urbano de miséria e exploração. Contudo, foi neste mosaico de intolerância social que se verificou a acumulação capitalista dos meios de produção cada vez mais tecnologicamente desenvolvidos e mais concentrados. Com os saltos qualitativos da fonte de energia do carvão para a electricidade e para a energia térmica e termo-nuclear as revoluções industriais acentuaram-se, designadamente na vertente do armamento ao serviço de políticas despóticas expansivas que desembocaram nas duas grandes guerras mundiais.
Nesse ambiente urbano de grandes necessidades e desigualdades, surgiu o movimento cooperativo por associação voluntária, criando sociedades amigáveis, sem carácter secreto, de assistência mútua e que foram ganhando o reconhecimento de utilidade pública. A primeira, em 1884, na cidade de Rochdale, uma modesta loja de venda de produtos de primeira necessidade aos seus vinte e oito aderentes. Nos factores de base destaca-se a forte motivação de participação social e cívica em pé de igualdade, a confiança mútua e a perseverança em se atingirem objectivos comuns e solidários, já que sem fins lucrativos.
No nosso país, o sector cooperativo ganhou nas últimas décadas algum significado. A nível nacional representa cerca de 5% do Produto Interno, cerca de 1,5% do emprego e envolve mais de um milhão de aderentes cooperadores. Das cerca 2400 cooperativas a nível do país, a centena que temos no nosso distrito representam 4%. Na distrito de Castelo Branco predominam as cooperativas agrícolas (80%), seguindo-se a uma escala muito mais baixa na ordem dos 5%: os serviços, a habitação e construção e o ensino.
A dimensão do sector cooperativo num país é considerada como reveladora do nível cultural da população, da sua disponibilidade para a participação cívica e capacidade de iniciativa e de realização de projectos solidários. Os números revelam, assim, que há um longo caminho a percorrer. Oxalá os poderes públicos entendam e apoiem as enormes potencialidades do movimento cooperativo.