José Dias Pires
CIDADANIA - QUANDO OS MAUS ALICERCES SÃO A DESCULPA DOS ARQUITETOS
Ouvimos frequentemente falar da falta de civismo das novas gerações. Tais afirmações são sustentadas por argumentos que procuram descobrir na escola e na família (que, dizem, não educar para a cidadania) a razão de todos os males. Mas será que é de facto assim?
A quem assacar a falta de educação comunitária em áreas como o urbanismo, a cultura, o ambiente e a inclusão social e cultural?
Quem tem a coragem de assumir que nos últimos trinta anos não fez tudo para evitar o descalabro do associativismo e das áreas de intervenção que o deveriam acompanhar, como a educação para a cooperação, a interação e a organização e gestão de projetos associativos integrados?
A escola? A família? Parece demasiado redutor (e uma boa desculpa).
De facto, à escola tem faltado é a capacidade de promover ou aproveitar pontes entre si e a comunidade. Mas como este é um percurso com dois sentidos, torna-se indispensável dividir responsabilidades, procurar motivações e meios onde encontrar os projetos para o exercício inclusivo da cidadania.
Contudo, para que tal aconteça é preciso capacitar os professores e fornecer instrumentos aos alunos — através de diferentes fontes de informação no processo de compreensão da cidadania como participação cultural, social e política — para que adotem atitudes de solidariedade, cooperação e respeito pelo outro.
Esta dimensão educativa da escola e da comunidade é fundamental para alicerçar o exercício da cidadania que implica:
— Promover a aquisição de competências de pesquisa (crítica e contextualizada) dos marcos históricos nacionais, regionais e locais, através do conhecimento das características fundamentais do país nas dimensões sociais, materiais e culturais, enquanto meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de pertença ao país;
— Estudar (para que possa conhecer-se e valorizar) a pluralidade do património sociocultural português, bem como dos aspetos socioculturais de outros povos e nações, posi-cionando-se contra qualquer discriminação baseada em diferenças culturais de classe social, de crenças, de género, de etnia ou outras características individuais e sociais;
— Articular os diversos níveis de ensino, através do trabalho cooperativo e multidisciplinar e também da aprendizagem baseada em projetos transversais de coprodução temática.
Este trabalho — que tem implicações comunitárias alargadas que vão muito para lá da escola e da família e estão nas instituições de governo local e nacional, nas organizações empresariais e nas estruturas associativas — possibilitará acabar com a desculpa esfarrapada de que o desinteresse dos jovens pelo exercício da cidadania é algo que lhes é inato.
Inato?
Será que sabemos (devíamos saber) que a culpa, a verdadeira e indesculpável culpa, tem estado na nossa desatenta e despreocupada inação para o exercício da cidadania? Nos nossos quase inexistentes contributos para o desenvolvimento ajustado dos nossos jovens, da autoestima e da autoconfiança nas suas capacidades afetivas, físicas, cognitivas, éticas, estéticas, de inter-relação pessoal e de inserção social, para que não temam (e desejem) agir com perseverança na procura e apresentação livre e contextualizada do que sabem e querem fazer exercendo a cidadania?
O exercício da cidadania implica um pensamento comunitário, o mais alargado possível, entre quem governa, dirige e coordena os diversos setores comunitários: instituições, empresas, associações.
É necessário, fundamental e, por isso mesmo, urgente ajudar a pensar.
Ajudar a pensar?
Ajudar a pensar a comunidade em que vivemos é um dos mais importantes exercícios de cidadania.
Mas tal só é possível se houver aceitação, desejo e promoção do alargar do pensamento sobre todas as questões comunitárias não apenas ao grupo que tradicionalmente rodeia os que decidem, mas aos que observam os que lideram, trabalham para os que dirigem e escolhem, pelo voto, os que decidem e governam.
Se tal acontecer, os maus alicerces deixarão de ser a desculpa dos arquitetos.