ANTONIETA GARCIA
Janela de oportunidades?
Não aprecia a expressão? E se lhe juntarmos a irmã gémea, a “zona de conforto”? Nascidas em contexto de apuros, neste caso, a semântica foi torcida ao jeito de quem falou. Intrometeram-se a Psicologia, mais uns pós de mistério e o que era o significado de “conforto” e de “oportunidade” transfigurou-se numa outra coisa. Em união de facto, a expressão “sair da zona de conforto” passou a traduzir a forma de abertura de “uma janela de oportunidades”. Será? Vivendo em conforto, quem quer sair? Certo é que passando uma demão de bom verniz sobre desemprego, desassossego, desvario, fome… oferece-se, pelo Verbo, uma solução barata. Proclama-se “zona de conforto” o sítio onde se está (sejam quais forem os critérios de apreciação), cria-se esperança vendida em saldo, e acenam-se oportunidades que hão de aparecer, se…
A corrente de ar atual das “janelas de oportunidades” é tamanha que, em pleno inferno, a Esperança se guinda a céus nunca antes imaginados. Qualquer crente sai daquilo que conven-cionou nomear-se “zona de conforto” e com a alma e coração cheios parte à conquista do mundo. O sucesso vislumbra-se, à mão de semear. Porém, folionas, gaiteiras e malandras, as expressões gémeas ora se abrem, ora se fecham… à Esperança que, às vezes, se casa com um “Se”, incómodo, velhaco, traidor. O divórcio acontece e o “conforto” e as “oportunidades” prescrevem. Da cartola saem, então, as santas tecnologias que guiam e inventam milagres de pasmar; escancaradas as janelas de oportunidades, tudo é conforto. Neste território de ficção científica, o mundo inteiro vende lenços para adornar, enfeitar, criar riqueza. Não há lágrimas. Quem chora? O poder material vale tudo… Em demanda deste graal afoitam-se os que ousam renunciar à zona de conforto. Quem sai?
Em Portugal, o Interior é cenário preferencial destas estórias. Abandono, salários de miséria, desertificação, desemprego e desânimo sempre geraram fugas e emigração. Porquê sair de onde se está bem? Lembramos Eduardo Lourenço, quando afirma que “…a aventura de pobre é sempre dos que buscam em longes terras o que em casa lhes falta (…). Interpelava o autor: (…) que espécie de inferno seria o caseiro para (o homem) ter tido a coragem e vontade de abandoná-lo?
Na verdade, as modernas expressões gémeas - zona de conforto e janela de oportunidades - arrecadam uma semântica tal que a mais fadada das fadas pasma com o processo de criatividade agitadora desta linguagem.
Neste mundo, os números são reis e senhores. Omnipotentes e omnipresentes no quotidiano patrocinam e motivam o pensamento, a ação. Comandam a vida. Qual sonho António Gedeão? Qual Pedra Filosofal? O que chefia a vidinha é a utopia do euro milhões. Também há fiéis de outros prémios pecuniários, que ocupam horas a ser divulgados, em horários nobres, nas televisões. Deseja poucochinho quem tem poucochinho. Uma mão cheia de euros para quem está de corda ao pescoço, cheio de dívidas e de fome, tem função salvadora. E os canais generalistas abrem, assim, janelas de oportunidades faz-de-conta. As pessoas são livres de embarcar nestes batéis da fé, são livres de jogar ou não… Mas uns euritos imprevistos criam zonas de aconchego breve. Junte-se a emoção e desejos a dominarem a decisão. A razão, essa triste, aguarda que a anestesia perca o efeito mesmo sabendo que o recobro nem sempre opera eficazmente pela turbulência que o consumo de esperança, em overdose, desencadeia...
Há zona de conforto que resista a estes fadários? Onde e como abrir uma frestazita respirável, em terras onde falta quase tudo? Os inocentes acreditam no Pai Natal; os dominadores sabem como adoçar, controlar e determinar a dimensão da ambição. Outros, os vagabundos da esperança, tantas são as encruzilhadas num mundo murado de indiferença, que se atordoam pelos caminhos.
Numa cultura de mercado, tudo se compra e vende. O negócio das palavras está na mão de senhores com poder. Eles apregoam janelas de oportunidades para os que saem da zona de conforto. É o quê, o Interior português? E o Mar Mediterrâneo com os novos condenados da terra? Oferecer a cana e ensinar a pescar o peixe que cada um necessita, é só um provérbio chinês. Na cultura de mercado vale o capital… Fazem dó. Afinal, não sabem de outro sonho maior, o tal que abre as janelas de solidariedade entre as gentes, conforta a alma, e é candeia de futuro.