Antonieta Garcia
NÃO FOSSEM AS QUOTAS...
As eleições autárquicas e respetivas sequelas continuam a dar que falar. Não surpreende. Os resultados eleitorais não cumpriram expectativas, infringiram normas: aconteceram vitórias absolutas inesperadas e houve derrotas com uma dimensão impensável.
Contados e analisados os votos, os comentários já pouco inovam. Quase tudo foi dito e repetido por diferentes vozes, cada uma a puxar a brasa à sua sardinha, ou a tentar desviar o rico peixinho de forma a não esturricar e queimar.
Muita arrelia, muita máscara, crítica q.b. incendiaram discursos. O diabo não se demitiu. Falaram nele, ele apareceu. Episódios futuros? Aguardemos.
Bem, pouco badalada, porque óbvia, vulgar e rotineira, foi a anémica participação feminina nas listas das ditas eleições. Em 308 municípios, foram eleitas trinta e duas Presidentes da Câmara. Não admira, quando se percebe que 86% dos candidatos à liderança eram homens.
Certo é que a Lei, que subjaz à elaboração das candidaturas, define e estipula: Entende-se por paridade, para efeitos de aplicação da presente lei, a representação mínima de 33,3% de cada um dos sexos nas listas.
Acrescenta o legislador: Para cumprimento do disposto no número anterior, as listas plurinominais apresentadas não podem conter mais de dois candidatos do mesmo sexo colocados, consecutivamente, na ordenação da lista.
O diploma legal estabelece estas normas. Verifica-se, porém, que salvo raras e honrosas exceções, nos dois primeiros lugares figuram homens. Quem é a terceira? Quem é a vereadora? Perguntam. Alguma vez ouviram, seja qual for o órgão de poder, colocar a questão no masculino? Quem é o terceiro?
Certo é que a citada Lei criada em 2006 e implementada em 2009, redundou num acréscimo de deputadas no Parlamento. Se em 1991 a percentagem era de 8,7%, em 2015, situa-se nos 33%, ou seja, atualmente, há 76 eleitas na Assembleia da República. Algo mudou.
Todavia, após as últimas eleições autárquicas, no distrito de Castelo Branco nenhuma Câmara é liderada por mulheres. No concelho albicastrense, em 19 Presidentes de Junta de Freguesia são duas as eleitas. (Na Covilhã, para o mesmo órgão autárquico, contam-se duas mulheres e 19 homens; no Fundão, são cinco mulheres e 18 homens).
No distrito da Guarda também não houve eleitas para a Presidência das Câmaras. Ora bem: a legislação permite o acesso a cargos políticos. São as mulheres que não querem? Não podem? Não são capazes? Mais, a metade feminina tem pouco a dizer? E seria preferível que um maior número de mulheres liderasse? Não sei. Nada nos diz que era pior. Era diferente, por certo, e atenuava-se a hemiplegia social. Além disso, não se vota em Assunção Cristas ou em Catarina Martins pelas mesmas razões. Não existe unanimidade no saber, fazer e pensar femininos.
Mas, com passe de mágica, até a renúncia a cargos de poder é modelável em crédito, se o papel para que está fadada a mulher for valorizado: ser terceira nas listas, continuar a ser centro de afetividade, ficar em casa, o seu lugar...
Pois! Apesar dos dados, há mulheres que enjeitam a Lei da Paridade. Defendem que é o mérito o critério a observar na seleção dos candidatos; argumentam que os lugares devem ser conquistados. Pelo mérito. Em quê? Se falamos em formação, as estatísticas provam que, comparativamente, desde há 20 anos, é maior o número de mulheres que frequenta e conclui cursos no Ensino Superior. Todavia, o reflexo no acesso a cargos de poder não é visível. Teria razão Steven Goldberg? Argumenta: ”Não há alternativa; (…) No fundo, a tarefa do homem é a de proteger a mulher e a da mulher proteger a criança; (…) A mulher tem coisas mais importantes para fazer; os homens sabem-no e esta é a razão por que neste país como em todos os outros, o que procuram na mulher é doçura, suavidade e amor, um refúgio num mundo de dor e de violência e uma proteção para os seus próprios excessos”.
O autor lança, a concluir, um desafio às feministas: “se querem sacrificar tudo isto, o que receberão em troca é o direito a enfrentar-se com o homem no terreno masculino e daí sairão a perder.” (Steven Goldberg, La inevitabilidad del patriarcado, Madrid, Alianza Editorial, 1973, p. 218 e 225).
Em suma: que méritos? Na farsa, os papéis foram distribuídos em função do sexo… É para cumprir?
Neste processo, valeram rebeldes e emancipalistas. A visibilidade do fazer e do saber, no feminino tornou-se incontornável… Sem as quotas, o caminho seria bem mais longo e lento…