| Ano |

Error parsing XSLT file: \xslt\NTS_XSLT_Menu_Principal.xslt

6 maio de 2015

Guilherme d'Oliveira Martins
«O MUNDO É UMA COISA ESTRANHA, AFINAL»

«O Mundo é uma coisa estranha, afinal» de Jean d’Ormesson (Guerra & Paz, 2015) é um ensaio em que o autor partilha com os seus leitores uma reflexão sobre a vida e a morte. Ao longo da obra, o tempo é o grande protagonista. E, naturalmente, Santo Agostinho é lembrado na sua célebre afirmação: «Se não me perguntares em que consiste o tempo sei dizer em que consiste. Mas se mo perguntas, deixo de sabê-lo». Seiscentos anos depois, Stephen Hawking também diz: «É impossível dizer em que consiste o tempo» Por não ocupar espaço, por não possuir nem massa nem temperatura, nem odor, nem sabor, parece ser o paradigma da abstração, que se confunde com tudo e nada… No entanto, é o grande mistério. Esse o seu mistério. Para nós, que vivemos o dia-a-dia, é fundamental. Os nossos relógios e agendas parecem de uma regularidade exasperante, mas, de facto, tudo isso é muito mais complicado do que parece à primeira vista.
O romancista interroga-se sobre os mistérios que nos rodeiam. Não sendo um cientista, procura compreender o inimaginável. Max Planck leva-nos aos primeiros segundos após o «big-bang»: o que virá a tornar-se o nosso universo era então dez milhões de mil milhões de mil milhões de vezes mais pequeno do que um átomo. Não vale a pena tentarmos perceber, porque o tempo de um flash de uma máquina fotográfica é imenso junto desse estranho «muro de Planck», que nos leva a deambular no infinitamente pequeno. Esse ínfimo começo põe-nos a questão de dizer que «aquilo que está atrás do muro de Planck é algo diferente de tudo o que podemos imaginar ou mesmo conceber – talvez uma realidade de outra natureza e de outra ordem, mais ou menos comparável à coisa em si de Kant». Pascal falava-nos do infinito que nos precede e no infinito que nos sucede… E se falamos da teoria quântica que só se aplica ao infinitamente pequeno, temos de chegar à teoria da relatividade geral de Einstein que apenas se aplica ao infinitamente grande…
«O mundo no qual vivemos não é apenas inesgotável. Com a luz, e com o tempo, mistério dos mistérios, e com essa coisa inaudita que é a vida, e essa mais inaudita ainda que é o pensamento, o mundo é também, e sobretudo, inverosímil». A imaginação de qualquer romancista revela-se infantil ao lado dos grandes mistérios do universo. As leis da ciência e da natureza são necessárias e arbitrárias. Eis a justificação de todos os paradoxos… E a vida é o mais banal dos milagres. Escapa a qualquer definição. Por isso, as descobertas científicas baseiam-se tantas vezes num ápice intuitivo… Charles Darwin limitou-se apenas a entreabrir uma pequena fresta no conhecimento em «A Origem das Espécies», contudo, hoje chegamos a um antepassado universal e comum de todos os seres vivos: uma célula batizada LUCA (Last Universal Common Ancestor). Einstein segreda-nos: «Aquilo que há de mais incompreensível é o mundo ser compreensível». E inesperadamente Leibniz – o mesmo que pergunta «cur aliquid potius nihil?» («Porque há algo em vez de nada?») – afirma-nos que o mundo é composto por átomos impercetíveis e indestrutíveis – mónadas -, que refletem todo o universo, que está assim presente em cada um dos seus pontos. Assim, Einstein procurou encontrar a conexão entre Universo e pensamento, estabelecida desde o começo… Deste modo, no caminho ao encontro do começo das coisas encontramos três elementos essenciais: a inteligência humana, capaz de descobrir os segredos do Universo; a luz, que nos permite viver sob o Sol e distinguir os seres e as coisas à nossa volta – apesar de viajar lentamente, considerando a imensidão do espaço. «Vemos o Sol tal qual ele era há oito minutos, a galáxia Andrómeda tal como era há dois milhões de anos, o enxame de galáxias Virgem tal como era há quarenta milhões de anos, os quasares nos confins do Universo como eram há uma dezena de milhões de anos»… E o terceiro elemento é o tempo. Jean d’Ormesson, o escritor de romances sobre a efemeridade do tempo e das mentalidades, como «Au Plaisir de Dieu», sobre um castelo que conheceu bem durante a infância e sobre os seus fantasmas, põe-se no centro das suas próprias interrogações, entre Espinosa, Pascal, Montaigne e Leibniz – jogando com as perplexidades de Albert Einstein e Max Planck. E refere-nos o golpe de génio do cristianismo, ao assumir o «que o distingue de todas as outras religiões» - a Encarnação.
«Aquilo que Deus quer não o sabemos. Aquilo que Cristo nos diz é que devemos amar Deus e os homens». O romancista não cai na apologética, até porque se situa numa posição de serena, mas persistente, dúvida. «O autor é agnóstico. Não sabe. Gostaria muito de saber». E, bem a propósito, cita Charles Péguy: «Os nossos conhecimentos nada são ao pé da realidade cognoscível, e são talvez menos ainda ao pé da realidade incognoscível». Tertuliano disse: «Credo quia absurdum», «Creio apesar de absurdo», e tudo está aqui resumido. Não há provas. E conta-se a anedota sobre Bertrand Russell. Alguém lhe perguntou, apesar de não crente, que diria quando chegasse ao juízo final perante Deus. E ele respondeu: «Nesse caso, dir-Lhe-ia que não havia provas suficientes…». O mundo é um enigma e a realidade um sonho. De Shakespeare a Calderón de la Barca, tudo está dito e redito. «A ciência decifra o sonho e faz também parte dele». Pirandello não diria melhor. E chegado aos limites, d’Ormesson leva-nos até ao mistério da morte, convidando o português Espinosa a partilhar a interrogação fundamental. «A mortalidade não é uma coisa evidente. Um homem ou uma mulher, jovens e de boa saúde, têm antes tendência a sentir-se imortais. Por uma espécie de milagre, que o mais das vezes se deixa passar em silêncio, cada um de nós pensa e age como se não fosse morrer. Espinosa acrescenta: “O homem livre em nada pensa menos que na sua morte, e a sua sabedoria é uma meditação não sobre a morte, mas sobre a vida»… Afinal, não morreremos um dia, vamos morrendo. Montaigne dizia que a filosofia era essa aprendizagem. E o poeta de «Le Soulier de Satin» pôs na sua campa a seguinte inscrição: «Aqui repousam as cinzas e a semente de Paul Claudel». J.d’Ormesson, placidamente, faz deste romance-ensaio uma interrogação sobre os limites, a incompreensão, as incertezas e as dúvidas… Depois de nos trazer a loucura de Alcibíades, símbolo da beleza e da sublimidade, conduzindo o sucesso ao desastre, lembra ainda Einstein a mostrar-nos que «a experiência mais bela é a do mistério»… Cada palavra diz-nos o que baila no espírito de cada um…

06/05/2015
 

Outros Artigos

Em Agenda

 
09/11 a 21/12
O Rosto do Lugar, O Lugar do RostoGaleria Castra Leuca Arte Contemporânea, Castelo Branco
30/11
Feira Despacha BagagemPraça 25 de Abril, Castelo Branco
25/11
Conversas no CaminhoMuseu de Arte Sacra da Santa casa da Misericórdia de Castelo Branco

Gala Troféu Gazeta Atletismo 2022

Castelo Branco nos Açores

Video