Festival Literário de Castelo Branco - Fronteira encerra com homenagem a Mia Couto
“Se sou alguma coisa, sou um poeta”
O Festival Literário de Castelo Branco – Fronteira encerrou segunda-feira, com uma homenagem ao escritor moçambicano Mia Couto, que decorreu no Cine-Teatro Avenida.
“Eu acho que não se devem homenagear os escritores. E se eu estou aqui é porque sinto que quem está, eventualmente, a ser homenageado é alguma coisa que é muito mais importante que os escritores, são os livros, a leitura e essa relação de intimidade que a leitura proporciona”, afirmou.
O escritor moçambicano explicou que a homenagem, “é esta relação de encontros que a literatura proporciona, este clima de conversa, de reencontro”.
Entrevistado pelo moderador da Booktailors, Tito Couto, Mia Couto disse que “quando se escreve, escreve-se para atingir o outro” e adiantou que “se sou alguma coisa, sou um poeta”.
O presidente da Câmara de Castelo Branco, Luís Correia, um admirador confesso do escritor moçambicano, afirmou que o nome de Mia Couto, “foi a minha única sugestão para este festival”.
“Hoje, com a presença de Mia Couto, ultrapassámos, na verdade, fronteiras que julgávamos não conseguir ultrapassar no final do terceiro festival”, afirmou.
O autarca sublinhou ainda que o escritor moçambicano “ficará no nosso coração e na nossa história”.
Mia Couto falou da sua relação com Portugal, um país que conheceu “sem nunca cá ter estado”, sobretudo, por culpa da mãe, cujas histórias sobre Portugal repetia todas as noites.
“A minha mãe sentava-se a contar histórias. Era um momento mágico, a paixão com que contava as histórias”, referiu.
Filho de portugueses, o pai natural de Rio Tinto e a mãe da Régua, Mia Couto falou ainda do seu “lado português”.
“Preciso de estar na janela da tristeza, mesmo para escrever uma coisa alegre. É o meu lado, provavelmente portu-guês, do sentido trágico do destino”, explicou.
Segundo o escritor, “aqui (Portugal) há quase uma disputa pela desgraça. Em Moçambique é o inverso. Os moçambicanos têm uma relação com a tristeza completamente diferente. Não se celebra a tristeza desta maneira”.
Mia Couto admitiu ser avesso à ideia de que se é qualquer coisa porque se tem talento, “são pequenas coisas que nos fazem ser qualquer coisa”.
O escritor falou ainda da Fundação Fernando Leite Couto, que foi criada em memória do pai que morreu há dois anos, e que funciona não só como uma editora, mas acima de tudo, pretende “fazer coisas (ao nível da literatura) com os outros” e também abordou a crise civilizacional que atravessa o Mundo, dizendo que “é preciso repensar as coisas mais básicas”.
“Já se tornou num desporto internacional falar mal dos políticos. Hoje não sabemos que propostas temos para um Mundo que seja realmente melhor. Esta é uma crise profundíssima de civilização, de pensamento. Não é atacando os políticos que a vamos resolver, não vamos”, concluiu.