Cesaltina Gilo
Uma mão cheia de Nada...
Uma mão cheia de nada é expressão que traz a ambiguidade dum significado como nada ter, mas pode chegar aos ouvidos das gentes como uma mão cheia de tudo o que se projecta na sociedade. Podem ser palavras propaladas para justificar e enaltecer o crescimento económico, como uma mão cheia de tudo, em que nada há senão palavras, sendo uma mão cheia de nada. Procedem assim os que julgam ser os obreiros da governação, frequentemente com ambição de domínio pessoal, num jogo de constitucional e inconstitucional, que notícias de televisão anunciam de manhã à noite, sempre iguais e repetitivas, com as vozes dos que pensam serem donos de verdades absolutas, depois transformadas em inverdades. Mudam a oratória num malabarismo da ordem das palavras e da sinonímia, como se a ignorância tivesse sido atributo de alguns.
Acontece, porém, que os ouvintes também sabem de sinonímia…
Pretendem impor os seus objectivos com a convicção das verdades próprias, que não são verdades, surge, por exemplo, o imperativo do cumprimento do deficit tão ardilosamente questionado.
Estamos em crise, a já tão estafada crise, com a desolação de quem a paga. É a mão cheia de nada, de quase nada, obrigada a cedências de partilha ou a pagamento de incomportáveis impostos, apenas restando para alguns, que são muitos, a miséria extrema. Num dos programas de Sexta-feira às 9, na RTP 1, evidenciou-se a incomensurável desumanidade, visível numa espécie de buraco chamado de quarto, onde não entrava a luz do dia, habitado por cinco ou seis famílias, homens, mulheres e crianças a esmo, indescritível com palavras. Esta é imagem dum país nos seus aspectos económico, social e político, no século XXI.
Para que repetir falar de instrução, saúde, desemprego, surto de baixa demográfica, etc., etc., pois parece tratar-se de banalidades? Com ou sem crises, com uma mão cheia de nada ou de tudo, com oposições entre indivíduos, conflitos de ideias, de classes, de nações, com choques de doutrinas religiosas, tudo é expectável, arrastando sempre novas teorias económicas e políticas.
Tempos houve em que certos autores esconderam a sua identidade através dum pseudónimo para evitar as sombras da repressão de certos «mestres». Hoje é o descaramento total. Um descaramento que vai oferecer ao público a sem vergonha de corrupções, de discriminação de poderosos que usufruem de estatuto especial (como, por exemplo, listas VIP), de desigualdades gritantes.
Todavia, a desesperança também faz nascer a esperança num melhor porvir. As eleições estão aí. E vão pedir maiorias absolutas…
Nas palavras de Rousseau, «quando um povo recupera o direito à liberdade, será justo que a retome, e injusto que lha tirem», evoca-se a lembrança de tempo de escravidão.
Alguém disse que «a História não conclui, nem se conclui». Somos nós que a continuamos.