Carlos Semedo
Chão de ferro
Olhar para o chão pode ser indício de muitas coisas. Algo que perdemos e procuramos desesperadamente; estamos descrentes e o olhar empurra-nos para baixo; passeamos em solo incerto e desconhecido e procuramos antecipar o quê e como pisamos. Podia continuar com uma lista mais ou menos criativa, mas não é esse o objectivo deste texto.
Nos últimos tempos, muita gente andou a olhar para o chão, na região de Castelo Branco. O grande impulsionador deste enfoque foi Jorge Portugal, o comissário do projecto Chão de Ferro, iniciativa que nos obrigou a pensar, desde logo, o nosso olhar e a forma como a rotina cria objectos de atenção quase permanente, deixando muitos outros numa zona obscura de quase não existência. Tudo começa quando numa das ferramentas de rede social, Jorge Portugal vai publicando regularmente fotografias de tampas de ferro fundido, surpreendendo muitos, que acabaram por seguir atentamente a diversidade que, do nada, se abriu debaixo dos pés.
Algum tempo depois, juntaram-se ao Jorge, o Laboratório Urbano Pela Arte e o professor Carlos Matos, que iniciaram um processo de caracterização de uma possível actividade que tivesse nas tampas de ferro fundido como centro. A Câmara Municipal de Castelo Branco, através da programação do Cine-Teatro Avenida foi um parceiro determinante para que tudo se tornasse uma realidade.
E foi assim que ao longo do mês de Abril, com antecedentes nas Escolas, em Fevereiro e Março, que decorreu uma série de iniciativas com o poético nome Chão de Ferro.
Em muitas escolas do concelho, foram distribuídos cadernos em branco, os quais, com a colaboração de dezenas de docentes e centenas de alunos, serviram para uma abordagem de criação gráfica, feita directamente nas tampas. Na Escola Superior de Artes Aplicadas, um grupo de alunos foi desafiado para conceber um objecto sonoro que tivesse o som das tampas como base material. A comunidade da rede social Instagram pôde partilhar as fotos de tampas que, posteriormente estiveram disponíveis em exposição em tempo real, no foyer do Cine-Teatro Avenida. Emma-France Raff e Joana Rodrigues foram convidadas para realizaram uma Oficina de impressão em têxtil, seguida de uma performance, actividades realizadas ao ar livre e Miguel Horta, trouxe-nos o Caça Texturas, uma descoberta permanente no espaço público, só possível com um olhar atento. Simultaneamente, Ana Paula Pinto, foi desenvolvendo Oficinas Mikokaia, de experimentação e descoberta, para público escolar.
Logo no início de Abril, inauguraram duas exposições e uma instalação sonora de Luís Marques. Uma das exposições, @tampa de ferro fundido, mostrou-nos algumas das fotos publicadas ao longo do tempo por Jorge Portugal. A outra, As Tampas na Escola, reuniu numa instalação suspensa, os cadernos dos alunos dos Agrupamentos de Escolas com o seu trabalho feito a partir das tampas.
No último dia, realizou-se uma Tertúlia com a apresentação de um vídeo com entrevistas realizadas com antigos funcionários da Auto Mecânica da Beira e Empresa Metalúrgica, com produção de Jorge Costa, Alice Batista e da LUPA e estreou-se a criação dos alunos da ESART, feita a partir dos sons gravados em tampas. A sessão contou também com a colaboração de Leonel Azevedo, que apresentou uma série de interessantes factos relacionados com os antecedentes da rede de esgotos em Castelo Branco.
Para terminar com impulso de futuro, Jorge Portugal, apresentou uma proposta, na minha opinião lindíssima, de tampa com motivos do bordado de Castelo Branco, a qual, acredita o designer gráfico, poderá ser um objecto da curiosidade de residentes e forasteiros. Eu também acredito e creio que não estarei sozinho.