Fernando Raposo
Como quem diz, eu é que não fui
Enquanto as eleições não chegam, o Governo vai-se arrastando num penoso exercício de humilhação.
Passos Coelho nunca chegara a dar uma explicação plausível e compreensível sobre a sua passagem pela Tecnoforma. A imprensa, na altura, dava conta de que Passos recebera daquela empresa, entre 1995 e 1998, para cima de 150 mil euros. Naquele período, Passos era deputado em regime de exclusividade.
A rapaziada das finanças, muitos por curiosidade, outros a soldo da imprensa de sarjeta, decidira vasculhar a relação do senhor primeiro-ministro com a Administração Fiscal.
A situação era embaraçosa. Passos passara por momentos difíceis, muitos de “aperto financeiro” e o Fisco até podia muito bem esperar. Outros porém, na mesma situação, não tiveram a mesma sorte. Foram obrigados a “desenvencilhar-se”, ou então viram os seus bens penhorados e arrematados na praça pública.
À socapa do senhor primeiro-ministro, da ministra das finanças e do secretário de estado dos assuntos fiscais, o então subdirector-geral para a Justiça Tributária, José Maria Pires, ao que dizem muito amigo do senhor secretário de estado, engendrou um habilidoso esquema para tramar os curiosos funcionários que parece não terem, nas horas de serviço, mais nada para fazer senão vasculhar a vida alheia. Alheia salvo seja, do primeiro-ministro e de outros tantos, não muitos, que alguém considerou serem merecedores de protecção da curiosidade alheia.
A coisa até teria sido bem recebida, se na lista dos contribuintes VIP estivessem todos os portugueses que contribuem com a sua mesada para o funcionamento do Estado. A situação de excepção é que chateia, porque perante a lei da República todos somos iguais.
Não fosse o facto de muitos funcionários curiosos terem sido apanhados com a “boca no trombone” e talvez ainda hoje não se soubesse da existência de um tal pacote de personalidades tão ilustres que estava a ser exclusivamente protegido quanto à tentativa de violação do segredo fiscal.
Logo que se soube da existência de tamanha marosca, que atenta contra os direitos de todos os cidadãos, o governo da República logo se prontificou a “fugir com o rabo à seringa” e a remeter as culpas para outros.
Tramou-se o director-geral e depois, ainda que muito a custo, o subdirector-geral que dizem ter sido o autor da “coisa” e amigo do secretário de estado que jura “a pé juntos “ que não soube, não sabia, nem tinha que saber da existência da dita “coisa”.
Como quem diz, eu é que não fui.
Os seus ministros e secretários de estado são ágeis em “sacudir a água do capote”.
O ministro da educação e ciência, Nuno Crato, contrariado, depois de pressionado pelos deputados, só muito tarde assumiu a responsabilidade pelas falhas na colocação dos professores. Um erro na fórmula de cálculo, justificará Crato que é especialista da matéria.
Paula Teixeira da Cruz, ministra da justiça, depressa se precipitou a responsabilizar os técnicos de informática pelos problemas da plataforma Citius, que inquinaram o dia a dia dos magistrados, advogados, operadores judiciais e de todos aqueles que estavam a contas com a justiça.
Tivesse, Cavaco Silva, sido bafejado por um pequeno assomo de clarividência, e num ápice ter-se-ia livrado deste governo e convocado antecipadamente as eleições.
Todos nós teríamos sido poupados ao vexame com que, a cada momento, somos confrontados.
Não teríamos sido, certamente, humilhados pela ministra das finanças, Maria Luísa Albuquerque, que nas suas deambulações em ambiente de cumplicidade partidária, se orgulha de “ter os cofres cheios”, quando a maioria dos português se desunha para esticar os parcos rendimentos até ao fim do mês e assim honrar os seus compromissos, quando muitos não têm qualquer rendimento ou apoio do Estado, quando muitas foram as vidas que se perderam por falta de assistência, quando muitos tiveram que partir por aqui não encontrarem emprego, quando muitos abandonaram a escola por falta de rendimentos das suas famílias.
Muitos são os que hoje vivem abaixo do limiar mínimo de pobreza. Fala-se em dois milhões e setecentos mil. Um quarto da população portuguesa.
Respeito, é quanto se exige ao governo e à ministra das finanças.