ANTÓNIO SALVADO DESVENDA
Os mistérios da vida e obra de João Roiz
A vida e a obra de João Roiz de Castelo Branco estão envoltas numa nuvem de mistério, pouco se conhecendo sobre este albicastrense. Um facto que o poeta albicastrense António Salvado ajudou a combater na passada quarta-feira, dia 17, com a conferência inaugural das Comemorações dos 500 Anos da Morte de João Roiz, subordinada ao tema João Roiz de Castelo Branco, poeta do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende – Traços Tradicionais e segmentos originais da sua poesia.
No que respeita à vida de João Roiz, abreviatura de João Rodrigues de Castelo Branco, António Salvado adiantou que era filho de Rui Gonçalves de Castelo Branco, que era contador da Guarda, do almoxarifado da Guarda que englobava a então vila de Castelo Branco.
Sem dados precisos da sua data de nascimento, admite que terá sido entre 1438 e 1442, em Castelo Branco. Uma conclusão a que chega com base em elementos históricos. Toda a família de João Roiz estava em Alcácer Seguer, no Norte de África, em 1458, quando esta foi tomada pelos portugueses e, na sequência disso João Roiz é armado cavaleiro. Como tal acontecia entre os 18 e os 20 anos, fazendo contas chega-se a que ele terá então nascido entre 1438 e 1442.
Regressa depois a Lisboa e António Salvado refere que em 1463 era criado o embrião da futura Universidade de Lisboa, que era frequentado por “41 filhos de nobres e de altas figuras da corte, não me admirando que João Roiz fosse um deles”.
Certo, é que o poeta albicastrense regressou a Castelo Branco depois de 1496, uma vez que “na relação de todos os fidalgos que viviam na Beira, nesse ano, ele não constava”.
Vida e morte
em Castelo Branco
O que também é garantido é que João Roiz casou com uma nobre, Catarina Vaz Carrasco de Sequeira, viveram na Rua dos Cavaleiros, na atual Zona Histórica, e tiveram dois filhos e quatro filhas.
Mas a prole não acabou por aqui, pois também é garantido que teve um filho bastardo, Diogo Rodrigues de Castelo Branco, que foi tabelião em Castelo Branco.
Do que também não há dúvidas, comprovado por cartas de venda, é que João Roiz em 1502 e em 1507 comprou terrenos no Chão de Contendas, para além do Ponsul. Um facto que intriga António Salvado, ao questionar o motivo que o levou a comprar terrenos tão longe, quando ele vivia junto da atual Praça de Camões.
E da sua vida pouco mais se sabe, a não ser que por cartas de 1514 e 1515 foi nomeado contador da comarca e do almoxarifado da Guarda, depois de o anterior detentor do cargo, Fernão Velho, ter morrido.
Mas também aqui o mistério é grande, uma vez que numa carta de 30 de outubro de 1515, é nomeado contador Fernão Pinto, devido à morte de João Roiz. Assim, a dúvida que fica é se João Roiz terá assumido o cargo durante alguns meses ou, sequer, se terá tomado posse do cargo.
A partir daí o nome de João Roiz desaparece, o que para António Salvado é “intrigante”.
O nome de João Roiz volta apenas a surgir no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, publicado em 1516, e, mais tarde, numa carta de D. João III.
O que também é tido como certo é que João Roiz foi sepultado na Igreja de Santa Maria do Castelo, com António Salvado a referir que “os restos mortais devem encontrar-se na campa da família Carrasco Sequeira”, uma vez que na Igreja “existem duas lajes tumulares. Uma do lado do Evangelho, que é onde se supõe que esteja João Roiz. E outra do lado da Epístola, também com as armas da família da mulher e que é a sepultura dos herdeiros de Filipe Vaz, irmão de Catarina Vaz”.
Mas mesmo sobre aquele que será o túmulo de João Roiz, António Salvado revela alguma estranheza, ao questionar porque motivo “a laje tem as armas da família da mulher, quando ele também era nobre e tinha armas”.
E sobre o túmulo António Salvado defende que “se deviam levantar as pedras, os antropólogos fazerem um estudo e resolverem definitivamente a dúvida”, acrescentando que a Igreja “devia ser classificada de interesse concelhio”.
Partindo-se
celebriza o poeta
Se a vida de João Roiz é envolta em mistério, este também acompanha a sua obra.
Afinal, da sua obra apenas são conhecidos cinco trabalhos, publicados no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende.
Trata-se de um vilancete e glosa ao vilancete, constituindo-se como uma écloga embrionária passional, sendo a primeira da literatura portuguesa, uma vez que até então só havia pastorelas; de dois poemas satíricos, “com aproveitamento do quotidiano”; e a incontornável cantiga Partindo-se.
Partindo-se, um poema de amor possivelmente dedicado a uma dama da corte, que para António Salvado “é a joia da poesia portuguesa” e explica que tal sucede, por “haver tantos valores em torno da ideia da partida, da separação, do amor, da saudade antecipada, com uma personificação dos olhos. Olhos que se revestem de um animismo muito particular”.
Tudo isto leva António Salvado a questionar “se só escreveu cinco poemas, ele que era um génio”.
Mas as dúvidas não ficam por aqui, admitindo que mesmo em relação ao Cancioneiro Geral o próprio Garcia de Resende “pode ter eliminado algumas obras, devido a conterem uma alta crítica social”.
Adianta ainda que “muito deve ele ter escrito em Castelo Branco”, para perguntar se “foram para o lixo”.
Um facto que o leva a admitir que tenha existido também uma “censura caseira”, até porque a filha Brites, que foi sepultada com ele “é a única que aceita a descompostura da sua vida”.
Agora, as comemorações continuam dia 8 de julho, com uma nova conferência subordinada ao tema Poetas do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende ligados ao Distrito de Castelo Branco (elementos biográficos e interesse literário dos seus poemas).
O programa das Comemorações, dinamizado pela Câmara de Castelo Branco e pela Cultura Vibra, continua depois até janeiro do próximo ano, sendo que a Gazeta pode avançar, em primeira-mão, que a autarquia, como revelou o vereador da Cultura, Fernando Raposo, está a estudar “a possibilidade de publicar as conferências das Comemorações”.