Lopes Marcelo
Viva a Escola!
Ginásio do antigo Liceu de Nuno Álvares, Dezembro de 1968.
“Futricas! Sois uns futricas”! Exclamava o Reitor do Liceu em tom de forte crítica dirigida às centenas de alunos que enchiam o frio ginásio. No palco os professores mais velhos com um ar muito sério e, até, zangado. À frente, na primeira fila de cadeiras, sentavam - se os restantes professores do Curso Complementar (6º e 7º ano), cujas aulas foram abruptamente substituidas pela reunião no ginásio convocada sem aviso prévio.
Foi a recordação desta reunião que me assaltou quando, no passado mês de Abril, decorridos quase cinquenta anos, voltei a entrar no ginásio da minha antiga escola. Agora, o ambiente cultural e a motivação pedagógica é completamente diferente pois se trata da Maratona dos contos e das artes. Durante dois dias, abrangendo todo o Agrupamento Escolar, sucederam - se eventos culturais gerados e apresentados como expressão do fomento das relações entre todos os elementos da comunidade educativa. Foi um diversificado mosaico de actividades aberto a toda a Comunidade envolvente, mostrando as potencialidades e os talentos dos agentes educativos: educadores e alunos. Por mim, assisti como avô, agradavelmente surprendido com toda aquela alegre movimentação de diversificadas actividades orientadas pelos professores e envolvendo os alunos dos vários ciclos, desde o jardim de infância, ao ensino básico e secundário e contando, ainda, com a participação dos Pais e Encarregados de educação.
Entre a pesada recordação de há cinquenta anos e a vivência de agora, as emoções foram profundamente contraditórias. Então, a surpreendente e paradoxal reunião destinava-se a criticar os alunos pelo facto da sua fraca contribuição para a recolha de fundos destinada a reparar os prejuízos das fortes cheias que se tinham verificado algumas semanas antes em Lisboa. O discurso irritado chamava os alunos de ingratos e de geração de incapazes e de egoístas perante o grande esforço que o país estava a fazer cá dentro e lá fora na guerra que nos impunham na Províncias Ultramarinas. O ambiente escolar era pesado e de grande desconfiança . O ensino era elitista e a ordem pedagógica era imposta, vinda de cima sem qualquer hipótese de participação.
Agora o ambiente foi de festa em várias vertentes: teatro e artes visuais; música, leituras, contos e exposições com feira do livro. O mosaico de actividades culturais foi dinâmico e de grande interacção entre os ciclos de etapas educativas num ambiente de livre expressão artística de todos os intervenientes: alunos, professores, pais e encarregados de educação. Os familiares dos alunos seguiam ebevecidos e de olhar feliz o desempenho dos seus pequenos artistas/protagonistas. Ali se demonstrava mais uma vez que educar é muito mais do que a moldura dos programas, que é crescer para a vida, mover para a frente, formar as personalidades e ensinar a ser. E, tudo isto, implicando fundamentalmente a escola, implica essencialmente as famílias e as instituições, portanto toda a Comunidade. Por esta e outras iniciativas idênticas, dou um grande viva à Escola e à rede de laços educativos e abraços afectuosos entre educadores e educandos e, também, entre as várias gerações. Palavra de avô.