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10 junho 2015

Antonieta Garcia
Emigrantes nos confessamos…

V. Ex.ª é que sabe. Disse: “A emigração é uma tendência, desde a última Grande Guerra”. Há de ser. Só me permito discordar um poucochinho do tempo que refere. A “tendência” é muito mais antiga! Carregou-nos para as viagens para tudo quanto era terra, ainda a maioria dos povos estava no seu continente, pousada e queda.
Este modo de ser é muito português, parece. Está-nos no ADN, desde as Descobertas, pelo menos. Mudamos de país por dá cá aquela palha. Nem percebo por que razão o Primeiro-Ministro veio, em determinada altura, aconselhar os jovens a abandonar a sua “zona de conforto” e a emigrar. Não havia necessidade; tivesse silenciado tal frase e poupar-se-ia a ouvir o que não gostou, sempre que se fala da geração com formação académica e que decide ir para o estrangeiro, por não haver emprego em Portugal.
Então, diz V. Exª que é tineta? Lucrou-se, é certo, num aspeto: nas estatísticas, as taxas de desemprego como está bem de ver, desceram… Custou, mas foi.
Sem dúvida, que a História ensina que português, que se preze, é homem de sete partidas ou mais. Portugal com tanto mar tornou-se cais de embarque e pai indiscutível de literatura de viagens da melhor que há. A camoniana frase “Esta é a ditosa pátria minha amada…”, quando a saudade abraça areias de Portugal, o pátrio ninho, lê-se em textos de estranhos?
Há séculos que viajamos por tudo quanto é orbe. Tinha razão Padre António Vieira que explicava: “Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas terras para a sepultura. Para nascer, pouca terra: para morrer, toda a terra: para nascer, Portugal: para morrer, o mundo.” Sabemos que as palavras do eminente pregador nasciam da ingratidão que o país oferecia: “Se servistes à pátria, que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que costuma.” Será esta outra tendência…
A Pátria que aflige anda na boca de poetas, de prosadores… que jamais cogitam nos números, nas estatísticas, em coisas da razão… está bem de ver.
Em 2013 saíram de Portugal, segundo o Observatório da Emigração 110 mil pessoas; pelos indicadores, em 2014 os números cresceram.
Mas então, não sabemos de ciência certa que há quem parta por prazer? Que o gosto de aventura desenha caminhos estrangeiros? Inclusive, até o idealismo dá uma demão às viagens: conhecer o diferente, frequentar a melhor escola, escolher o melhor clima, as melhores pessoas, apostar viver em liberdade… são motivações q. b. para embarcar. Por isso, às claras ou clandestinamente, o português abandona Portugal e passa a cantar o fado, a amar de peito o folclore, a bandeira que coloca na lapela e no anel, consoante os gostos, adora saborear a gastronomia da sua terra, aplaudir um clube de futebol…
Entre 2011 e 2013 a tendência acentuou-se; a emigração cresceu coincidindo com tempos de crise. Coincidências, porque nem os números hão de estar certos, nem o desemprego tem nada a ver com as partidas dos jovens e dos outros, como V. Exª explica. Regressar a Portugal sem saber para fazer o quê e onde são motivos para ficar noutro país? Lá, oferecem trabalho, formação, futuro... mas emigrar tornou-se um vício português, como demonstram os números, os numerozinhos que não enganam ninguém.
À emigração não há quem a trave. O português emigra porque sim.
Nem vale a pena ouvir os poetas que falam de:
“(…) Não tem sede de aventura / Nem quis a terra distante / A vida o fez viajante / Se busca terras de França / É que a sorte lhe foi dura / E um homem também se cansa.// (…) Não julguem que vai contente / Leva nos olhos o verde / Dos campos onde se perde / (…) Leva gravada na pele / Uma aldeia um campo um rio”…(Manuel Alegre).
Manuel Freire cantava: “Ei-los que partem / de olhos molhados / coração triste / e a saca às costas / esperança em riste /sonhos dourados / ei-los que partem / de olhos molhados //. Virão um dia / ricos ou não / contando histórias / de lá de longe / onde o suor /se fez em pão /virão um dia / ou não”.
São poetas e cantores que sabem sempre encontrar as palavras de que nos apropriamos para clarificar o pensamento. Falta-lhes, porém, senhor ministro, cogitar sobre os números e as estatísticas. Não leram a tendência…
Quem parte é porque quer e ponto final? A maioria dos jovens que vemos embarcar preferiria ficar por cá. Falo com muitos que me dizem que voltarão, mal haja trabalho. Para sobreviver agarram-se ao princípio: Ubi bene ibi patria… Que remédio!
E é gente que até gosta de viagens boas: as de férias, as de formação… todas aquelas que escolhemos sem ser para sobreviver…
Ouvi, um dia, a uma mulher rija, da Beira: “Fui para França, juntar-me ao meu marido.
Tinha algum jeito um cá, outro lá… Ele trabalhava nas obras. Faltar nem pensar, que chegara há pouco tempo... Qualquer tostão fazia falta. Eu não sabia uma palavrinha de francês. O meu homem escreveu-me o nome da rua, em Paris, onde tinha de ir tratar duma papelada. Com o credo na boca, lá fui. Mostrava o papel, a uma e a outra pessoa…
Consegui! Desembrulhei-me…” Assim, amalgamando a fonética e semântica portuguesas e francesas para expressar direitinho o que lhe ia na alma. E ria, vitoriosa… de uma coragem real que a tornaria, mais tarde, patroa do rebanho e da queijaria da sua terra… Voltou, assegurado aqui, o ganha pão…
Já a tendência emigratória atual, com tantos números, parece epidémica, a malandra… O diagnóstico mantém-se desde a II Grande Guerra? Que é da cura?

09/06/2015
 

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