Guilherme D’Oliveira Martins
Em nome do deslumbramento
«A Idade do Deslumbramento» de Richard Holmes (Gradiva, 2015) é uma obra apaixonante que nos permite acompanhar o início de um novo paradigma da história da humanidade – o do conhecimento e da aprendizagem. Como a geração romântica descobriu a beleza e o temor da ciência? Esta é a grande pergunta subjacente a esta obra, que faria sempre falta numa biblioteca bem recheada dos elementos indispensáveis à compreensão do tempo que vivemos, como convergência entre o conhecimento, a curiosidade, a necessidade de aprender e o rigor crítico. Entre nós, o livro (saudado com entusiasmo em todo o mundo) assinala os cem números da coleção «Trajectos» da Gradiva. Richard Holmes, um experimentado escritor que liga o humanismo ao espírito científico e à compreensão da história humana, acompanha-nos num percurso fascinante em que as descobertas científicas desde o final do século XVII resultam de uma relação fecunda com o conhecimento e a experiência. A obra é, por isso, muito atraente, sendo a demonstração da importância de um tempo de redobrada atenção relativamente a tudo o que nos cerca, não só para sabermos mais, mas também para vivermos melhor. Holmes descreve em «A Era do Deslumbramento», de um modo acessível, rigoroso e natural, sem cedência à facilidade, como se criaram condições para as descobertas científicas contemporâneas. E nada melhor do que contarmos com três referências, de três cientistas que nos ajudam a perceber o caminho interminável e decisivo do saber em que estamos lançados. A ciência é uma aventura partilhada, de que não podemos prescindir. Trata-se de entender que nunca saberemos o suficiente e que temos de ir sempre mais além, compreendendo os limites, as dificuldades e as ilusões, que tantas vezes são mascaradas de certezas. Lembramo-nos da tentação positivista…
Na companhia de Sir Joseph Banks (1743-1820), de William Herschel (1738-1822) e de Humphry Davy (1778-1829), um botânico, um astrónomo e um químico, somos convidados a fazer viagens extraordinárias, que abrem portas sucessivas para o conhecimento, a compreensão e a exigência de aprender mais e melhor. E Richrad Holmes ensina-nos que os cientistas, como os poetas, precisam de sentido de «deslumbramento», de humildade e de humor, para poderem compreender o mundo, o tempo e a vida. Nada do que é humano ou do que é natural pode ser-nos estranho. Oceanos, estrelas, fauna, flora, assim como a mente humana têm de estar na primeira linha da nossa atenção e do nosso interesse. Mas tudo exige muito trabalho, pesquisa, dúvida, tentativa, erro, risco, determinação e esforço, para superarmos os nossos próprios limites, sabendo que o faremos sempre provisoriamente. Amanhã teremos sempre de ir mais adiante. A aprendizagem é que define o desenvolvimento. A afirmação poderá parecer estranha e redutora, mas põe-nos no cerne do modo de aproveitar os recursos e de responder aos desafios, como nos ensinou Toynbee. Não basta dizer que se aposta na educação para que esta se desenvolva. Há que articular permanentemente as condições e os desafios do meio e a capacidade para lhes responder. As receitas simplificadas, as vias uniformizadoras, as soluções supostamente definitivas não ajudam, antes pelo contrário. E temos de lembrar o modelo da britânica «Royal Society», fundada em 1660, e hoje presidida por Sir Paul Nurse. A instituição surge como um exemplo de cooperação, de trabalho, de disciplina, de coordenação, de persistência e de dúvida metódica. Nada se consegue sem objetivos e planos fundamentados, sem programas claros, sem espírito de equipa e sem ação continuada. Daí que o espírito científico obrigue à experiência e à crítica. A Revolução Industrial foi possível graças a uma convergência de razões: acumulação de capital, capacidade de investimento, matérias-primas, massa crítica em capital humano, espírito inovador e inteligência prática. Urge, no fundo, entender a importância do saber de experiências feito – suscetível de reunir os diversos fatores necessários ao desenvolvimento humano.
Percebemos, assim, o lema da «Royal Society», que está subjacente a esta obra e que nos foi legado por Horácio - «Nullius in Verba». Com efeito, o cientista não pode tornar-se servo da palavra de outrem ou de uma qualquer explicação fechada e autosuficiente. O espírito científico e o sentido crítico obrigam a estudar sempre mais, infatigavelmente, em procura do caminho que nos permita conhecer mais e melhor. A «Era do Deslumbramento» desenvolve-se entre a viagem de circum-navegação comandada por James Cook no «Endeavour» (1768) e a partida de Charles Darwin para as Galápagos, a bordo do «Beagle» (1831). E Holmes salienta a importância do espanto, que tanto se refere ao misterioso mundo natural como às múltiplas expressões da criação humana, artística ou prática, teórica ou pragmática… O saber deixa, assim, a pouco e pouco, as salas fechadas das academias e das arcádias, para chegar ao campo e à experimentação. Não é por acaso que a política é profundamente abalada. As revoluções inglesa, americana e francesa vão mudar a organização das sociedades e os instrumentos de legitimação – a começar no primado da lei geral e abstrata para todos (rule of law). Depois de os portugueses terem dado «novos mundos ao mundo», houve que fazer a ligação entre as consequências das novas descobertas à necessidade de profundas mudanças de organização e de mentalidades, na economia e na sociedade. O botânico Sir Joseph Banks, que acompanhou James Cook até ao Taiti, compreendeu de modo pioneiro a importância do diálogo científico e das redes de cooperação no tocante à informação sobre novos conhecimentos – desde as plantas, às línguas, à gastronomia e aos ritos (até aos desportos e ao lazer). Inicia-se assim a noção de ciência como um trabalho partilhado, nacional e internacionalmente. Banks criou um espantoso sistema de comunicação, Davy inventou a lâmpada de segurança para os mineiros, o que teve um efeito decisivo para a segurança de profissionais e para a industrialização, enquanto Herschel construiu um potente telescópio (com o apoio de sua irmã Caroline), que permitirá fazer descobertas fundamentais para o conhecimento do universo. Richard Holmes mostra como o conhecimento humano evolui sempre num fecundo encontro entre o espanto e a coragem de afrontar o desconhecido e o inesperado e a capacidade de a inteligência humana se ir superando através de avanços e recuos, mas com a cada vez melhor compreensão das nossas pequenez e responsabilidade.