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01 julho 2015

Guilherme d'Oliveira Marins
EM NOME DE UMA ECOLOGIA HUMANA…

Não se apagaram da nossa memória as palavras do Papa Francisco quando iniciou o pontificado, salientando a sua vocação de guardião não apenas dos cristãos mas da humanidade. Essa tarefa «diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro do Génesis e (…) mostrou S. Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente». Acaba de ser publicada a nova encíclica do Papa, «Laudato Si’», sobre questões ambientais e o cuidado da casa comum e o tema não poderia ser mais atual, referindo-se à desigualdade no acesso e na distribuição de recursos e à sobre-exploração da natureza. «A Terra não é um legado dos nossos pais, mas um empréstimo dos nossos filhos». Assim, se há questão fundamental que deva ser aprofundada nos dias de hoje, perante os efeitos da crise económica e financeira, é o da escassez de recursos naturais disponíveis e o da responsabilidade comum da humanidade em face da sua utilização. É preciso uma revolução ética e económica contra a mudança climática e a crescente desigualdade. A «ecologia humana» obriga a ligar o cuidado em relação ao meio ambiente à defesa da natureza humana e da dignidade das pessoas. Do mesmo modo, importa salientar o flagelo da fome e do desperdício de alimentos, bem como os efeitos imprevisíveis do aquecimento global, da desflorestação e da poluição. Os temas são momentosos e obrigam a um especial cuidado em relação ao futuro. A ideia de um progresso sem fronteiras nem limites é perigosa e tem gerado o agravamento das desigualdades e das injustiças, além de que o endividamento excessivo tem-se feito à custa de uma destruição descontrolada dos recursos naturais, de um consumismo egoísta e cego relativamente ao futuro, e não numa lógica de partilha equilibrada das riquezas.
Um novo bezerro de ouro foi construído, prevalecendo o domínio global das entidades predadoras do planeta, que acumulam riquezas, enquanto aumenta o fosso entre ricos e pobres. Como afirmou o Papa Emérito Bento XVI, «a monopolização dos recursos naturais, que em muitos casos se encontram nos países pobres, gera exploração e frequentes conflitos entre as nações e dentro delas. E muitas vezes estes conflitos são travados no território desses países, com um pesado balanço em termos de mortes, destruições e maior degradação». Por isso, o Papa Francisco tem recordado que: «Deus perdoa sempre, os homens às vezes, mas a natureza nunca perdoa». Deste modo, em nome da preservação da natureza, a vida humana tem de ser reconhecida como centro das sociedades, em lugar do dinheiro, da especulação e da tentação dos ganhos fáceis e imediatos. Daí que a comunidade internacional, na expressão da encíclica «Caritas in Veritate», tenha o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis, com a participação dos países pobres, de modo a planear em conjunto o futuro. Como se diz na encíclica agora publicada: «A humanidade possui ainda a capacidade de colaborar na construção da nossa casa comum» (LS, 13). Ao longo dos diversos capítulos, o Papa Francisco lança um alerta a todos os cidadãos, governantes e comunidade científica. O que está a acontecer à nossa Casa? A poluição e as mudanças climáticas, a questão da água, a perda de biodiversidade, a deterioração da qualidade de vida humana e a degradação social, a desigualdade planetária, a fraqueza das reações – nada nos pode deixar indiferentes. «A terra, nossa casa, parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo». Há que assumir um Evangelho da criação, a partir da luz que nos oferece a fé, da sabedoria das narrações bíblicas, do mistério do universo, da mensagem de cada criatura na harmonia de toda a criação, bem como de uma comunhão universal, do destino comum dos bens e do olhar de Jesus. «Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus (Lc., 12, 6). E o certo é que há uma raiz humana na crise ecológica. Se a tecnologia trouxe inúmeros benefícios, importa compreender os seus limites. A ideia dum crescimento infinito ou ilimitado parte de um falso pressuposto, o de que «existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeitos negativos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos» (Cf. L.S., 106). A globalização do paradigma tecnocrático e a crise do antropocentrismo moderno obrigam a repensar uma estratégia de desenvolvimento humano.
Como afirmou o Cardeal Peter Turkson, Presidente do Conselho Pontifício da Justiça e Paz, «grande parte do mundo permanece na pobreza apesar dos recursos abundantes, enquanto uma elite privilegiada controla a maioria da riqueza mundial e consome a maior parte dos recursos». Temos de compreender que «a cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição» (L.S., 111). Precisamos de um olhar diferente, de ideais, políticas, educação, estilo de vida e espiritualidade que resistam ao paradigma tecnocrático. Precisamos de diálogo e transparência nos processos decisórios, cooperação internacional e atenção às gerações futuras. Eis a encruzilhada em que nos encontramos. E recorde-se que teremos em 2015 a realização da Conferência Mundial do Clima em Paris, estando prevista uma intervenção do Papa Francisco na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de setembro, para abordar os temas fundamentais da encíclica «Laudato Si’». Aliás, não esquecemos o que Maria de Lourdes Pintasilgo disse quando apresentou o documento «Cuidar o Futuro» da Comissão Independente das Nações Unidas para a População e Qualidade de Vida (1998): «a qualidade de vida aparece como o objetivo essencial, a partir do momento em que o limiar da quantidade (além do nível da mera sobrevivência) é ultrapassado». Num momento especialmente difícil da vida humana, política, económica e social, é significativo que, para assumir um conceito de ecologia integral, o valor do trabalho surja enaltecido. Não é aceitável renunciar a investir nas pessoas para obter maior receita imediata. Se o que tem mais valor é o que não tem preço, as pessoas têm de estar em primeiro lugar. A maximização do lucro é a base da economia que mata. Urge educar para a sobriedade e para uma aliança entre a humanidade e o ambiente. Estaremos aptos a ouvir?

29/06/2015
 

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